Trecho do “Livro Ernesto Che Guevara, também conhecido como CHE”, pag. 596-598
Na solidão do quarto, Che pede aos guardas (que o vigiava) que lhe permitam conversar com a professora da escola, Julia Cortez. Ela conta que Che lhe disse:
- Ah!, a senhora é a professora. A senhora sabe que o “e” de se não tem acento em 'já se ler'? - e aponta para a lousa. É claro, em Cuba não há escolas como esta. Para nós isto seria uma prisão. Como é que os filhos dos camponeses podem estudar aqui? Isto é antipedagógico.
- O nosso país é pobre, responde a professora.
- Mas os funcionários do governo e os generais têm Mercedes e muitas outras coisas, não é mesmo? Contra isso é que nós lutamos.
- O senhor veio de muito longe para lutar na Bolívia.
- Sou revolucionário e já estive em muitos lugares.
- O senhor veio matar nossos soldados.
Olhe, na guerra se ganha ou se perde.
Em que momento o coronel Zenteno terá transmitido a ordem presidencial de assassinar Che? Félix Rodríguez (cubano anticastrista, agente da Cia) terá tentado convencê-lo a não matar, pois útil nesse momento Che era mais útil vivo que morto?
Rodríguez conta que conversou com Che durante urna hora e meia, e que inclusive o comandante lhe pediu que transmitisse a Fidel a mensagem de que a revolução latino-americana triunfaria e que dissesse a sua mulher que se casasse de novo e fosse feliz.
O fato é que às onze horas e quarenta e cinco minutos Zenteno pega o fuzil de Che e parte no helicóptero que acabou de voltar.
Ao meio-dia, Che pede permissão para conversar de novo com a professora, mas ela não quer, está com medo.
Enquanto isso, a uns 500 ou 600 metros do povoado, os guerrilheiros sobrevivente esperam a noite chegar para fazerem alguma coisa. Alarcón conta: “Ficamos sabendo que o Che estava preso (...). Escutávamos as notícias em um rádio pequenino que tínhamos, com os fones (...). Acreditamos que se tratava de uma desinformação do exército. No entanto, por volta das dez da manhã já estavam dizendo que o Che estava morto e (...) falavam de uma foto que ele levava no bolso com a sua esposa e filhos. Quando os três cubanos aquilo nos olhamos fixamente, enquanto as lágrimas corriam em silêncio (...). Era a prova que Che tinha morrido em combate. Nem passou pela nossa cabeça que ele estava vivo, a pouco mais de 500 metros dali”.
Na metade da manhã, Ayoroa solicita voluntários entre os rangers para a tarefa de carrasco. O suboficial Mario Terán pede para matar Che; um soldado recorda: "como argumento, dizia que tinham morrido três Mários da Companhia B e como homenagem a eles deviam lhe dar o direito de matar o Che". Estava um pouco bêbado. O sargento Bernardino Huanca ofereceu-se para assassinar os companheiros de Che.
Depois da uma da tarde, Terán, de baixa estatura - não devia medir mais de 1,60 m, atarracado, 65 quilos -, entrou no quartinho da escola onde o Che estava. Trazia nas mãos um M-2 que pedira emprestado ao suboficial Pérez. No quarto ao lado, Huanca acabava com Chino e Simón.
Che estava sentado em um banco, com os pulsos amarrados, encostado na parede. Terán vacila, diz alguma coisa, Che responde:
- Nem se incomode. Você veio me matar.
Terán faz um movimento como se fosse ir embora e dispara a primeira rajada, respondendo à frase que, quase 30 anos depois, dizem que Che proferiu: — Atire, covarde, que vai matar um homem!
"Quando entrei na sala, o Che estava sentado num banco. Quando me viu, disse: Você veio me matar. Eu não tinha coragem de disparar, e então o homem me disse: Fique calmo, você vai matar um homem. Então, dei um passo para trás, rumo à soleira da porta, fechei os olhos e disparei a primeira rajada. Che caiu no chão com as pernas destroçadas, contorceu-se e começou a perder muito sangue. Recuperei o ânimo e disparei a segunda rajada, que o atingiu no braço, em um ombro e no coração".
Pouco depois, o suboficial Carlos Pérez entra no quarto e dispara contra o corpo.
Não será o único: o soldado Cabero, para vingar a morte de seu amigo Manuel Morales, também dispara contra Che.
As diferentes testemunhas parecem concordar sobre a hora da morte de Ernesto Che Guevara: uma e dez da tarde do domingo, 9 de outubro de 1967.
A professora grita com os assassinos.
Um padre dominicano de uma paróquia próxima tenta chegar a tempo para falar com Ernesto Guevara. O sacerdote Roger Schiller conta: "Quando me inteirei que o Che estava preso em La Higuera, consegui um cavalo, e_foi para lá. Queria confessá-lo. Sabia que ele tinha dito estou frito. Eu queria lhe dizer:
- O senhor não está frito. Deus continua acreditando no senhor.
Pelo caminho, encontrei um camponês:
- Não se apresse, padre - me disse ele - já o liquidaram".
Por volta das quatro da tarde, o capitão Gary Prado retorna ao povoado depois da última incursão dos rangers pelas quebradas adjacentes. Na entrada de La Higuera o major informa que executara Che. Prado faz um gesto de desgosto. Ele o havia capturado vivo. Preparam-se para levar o corpo em um helicóptero. Prado amarra sua mandíbula com um lenço para o corpo não se distorcer.
Um fotógrafo ambulante tira fotos dos soldados que cercam o cadáver, colocado em uma maca; são fotos domingueiras, provincianas, só os sorrisos estão ausentes. Uma foto registra Prado, o padre Schiller e dona Ninfa ao lado do corpo.
O padre entra na escola. Não sabe o que fazer: recolhe os cartuchos e os guarda; depois, começa a lavar as manchas de sangue. Quer limpar parte do terrível pecado mataram um homem na escola.
Mario Terán recebe a promessa de um relógio e de uma viagem a West Point para realizar um curso de suboficiais. As promessas não serão cumpridas.
O helicóptero eleva-se, levando amarrado ao seu patim, no trem de pouso o cadáver de Che Guevara.
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