quarta-feira, 12 de abril de 2017

O que diz Jean-Paul Sartre sobre os imbecis






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      Jean-Paul Charles Aymard Sartre1905 — 1980 foi um filó-sofo, escritor e crítico francês, conhecido como representante do existencialismo. Acreditava que os intelectuais têm de desempenhar um papel ativo na sociedade. Era um artista militante, e apoiou causas políticas de esquerda com a sua vida e a sua obra.
      Repeliu as distinções e as funções problemáticas e, por estes motivos, se recusou a receber o Nobel de Literatura de 1964. Sua filosofia dizia que no caso humano (e só no caso humano) a existência precede a essência, pois o homem primeiro existe, depois se define, enquanto todas as outras coisas são o que são, sem se definir, e por isso sem ter uma "essência" que suceda à existência. Ele também é co-nhecido por seu relacionamento aberto que durou cerca de 51 anos (até sua morte) com a filosofa e escritora francesa Simone de Beauvoir
     


sábado, 11 de março de 2017

O invejoso e o cobiçoso

“Conta-se sobre dois homens, um que cobiçava e outro que invejava…
O que cobiçava vivia a reclamar: ‘veja quão amarga é a obra do Criador. Faz com que os merecedores não obtenham seu mérito: por que sou pobre, enquanto aquele homem, meu inimigo e vizinho é rico?
O que invejava implorava: ‘Eterno, não escutes suas palavras e não lhe permitas tornar-se um príncipe entre os seus. Deixa-me morrer se ele enriquecer…
Certa vez um anjo lhes apareceu no deserto e os chamou, dizendo: ‘Eis que ouviram-se seus lamentos e preces. Eu vim realizar seus pedidos e isto é o que lhes ofereço: Vocês poderão pedir o que seus corações desejarem, que lhes será imediatamente concedido. O dobro deste pedido, no entanto, será dado ao outro. Este é nosso acordo e não será violado.’
Aquele que cobiçava, sonhando com um pedido duplo, disse: ‘você pede primeiro’.
O invejoso reagiu: ‘Como posso pedir algo, se ao final você emergirá mais forte ou rico do que eu?
Os dois começaram a brigar até que o invejoso exclamou:
Deus, faz a teu servo o reverso de tua vontade! Cega-me de um de meus olhos e meu inimigo, portanto, dos dois. Anestesia uma de minhas mãos e duplica a medida para meu inimigo’.
Assim foi feito e os dois, cegos e inválidos, permaneceram pateticamente como exemplo de vexame e desgraça.” (…)

    (Fonte: Nilton Bonder, A Cabala da Inveja).

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

"A política é um pouco ofício de bandido", Carlos Castello Branco, o Castelinho

SINOPSE DA OBRA: Em Todo aquele imenso mar de liberdade, o jornalista Carlos Marchi destrincha a história de um dos maiores colunistas políticos do país, Carlos Castello Branco, o Castelinho. Com olhar arguto, Marchi dá uma aula sobre a vida política do país em uma época em que tudo o que o governo queria era esconder o jogo. 
De colunista do Jornal do Brasil a secretário de imprensa do presidente Jânio Quadros, Castelinho teve de conviver até seus últimos dias com a morte de seu filho Rodrigo, vítima de um desastre de carro em Brasília. Outras angústias, pessoais e profissionais, também estão relatadas, bem como frustrações que não deixam de vir acompanhadas das alegrias, glórias, vitórias, histórias bem-humoradas e tiradas memoráveis. Com sua Coluna do Castello, tornou-se ícone da imprensa brasileira, cuja vida essa biografia de Carlos Marchi só faz exaltar, mesmo quando revela suas fraquezas.


domingo, 29 de janeiro de 2017

Os últimos momentos de Che

Trecho do “Livro Ernesto Che Guevara, também conhecido como CHE”, pag. 596-598
Na solidão do quarto, Che pede aos guardas (que o vigiava) que lhe permitam conversar com a professora da escola, Julia Cortez. Ela conta que Che lhe disse:
- Ah!, a senhora é a professora. A senhora sabe que o “e” de se não tem acento em 'já se ler'? - e aponta para a lousa. É claro, em Cuba não há escolas como esta. Para nós isto seria uma prisão. Como é que os filhos dos camponeses podem estudar aqui? Isto é antipedagógico.
- O nosso país é pobre, responde a professora.
- Mas os funcionários do governo e os generais têm Mercedes e muitas outras coisas, não é mesmo? Contra isso é que nós lutamos.
- O senhor veio de muito longe para lutar na Bolívia.
- Sou revolucionário e já estive em muitos lugares.
-  O senhor veio matar nossos soldados.
Olhe, na guerra se ganha ou se perde.
Em que momento o coronel Zenteno terá transmitido a ordem presidencial de assassinar Che? Félix Rodríguez (cubano anticastrista, agente da Cia) terá tentado convencê-lo a não matar, pois útil nesse momento Che era mais útil vivo que morto?
Rodríguez conta que conversou com Che durante urna hora e meia, e que inclusive o comandante lhe pediu que transmitisse a Fidel a mensagem de que a revolução latino-americana triunfaria e que dissesse a sua mulher que se casasse de novo e fosse feliz.
O fato é que às onze horas e quarenta e cinco minutos Zenteno pega o fuzil de Che e parte no helicóptero que acabou de voltar.
Ao meio-dia, Che pede permissão para conversar de novo com a professora, mas ela não quer, está com medo.
Enquanto isso, a uns 500 ou 600 metros do povoado, os guerrilheiros sobrevivente esperam a noite chegar para fazerem alguma coisa. Alarcón conta: “Ficamos sabendo que o Che estava preso (...). Escutávamos as notícias em um rádio pequenino que tínhamos, com os fones (...). Acreditamos que se tratava de uma desinformação do exército. No entanto, por volta das dez da manhã já estavam dizendo que o Che estava morto e (...) falavam de uma foto que ele levava no bolso com a sua esposa e filhos. Quando os três cubanos aquilo nos olhamos fixamente, enquanto as lágrimas corriam em silêncio (...). Era a prova que Che tinha morrido em combate. Nem passou pela nossa cabeça que ele estava vivo, a pouco mais de 500 metros dali”.
 Na metade da manhã, Ayoroa solicita voluntários entre os rangers para a tarefa de carrasco. O suboficial Mario Terán pede para matar Che; um soldado recorda: "como argumento, dizia que tinham morrido três Mários da Companhia B e como homenagem a eles deviam lhe dar o direito de matar o Che". Estava um pouco bêbado. O sargento Bernardino Huanca ofereceu-se para assassinar os companheiros de Che.
Depois da uma da tarde, Terán, de baixa estatura - não devia medir mais de 1,60 m, atarracado, 65 quilos -, entrou no quartinho da escola onde o Che estava. Trazia nas mãos um M-2 que pedira emprestado ao suboficial Pérez. No quarto ao lado, Huanca acabava com Chino e Simón.
Che estava sentado em um banco, com os pulsos amarrados, encostado na parede. Terán vacila, diz alguma coisa, Che responde:
- Nem se incomode. Você veio me matar.
Terán faz um movimento como se fosse ir embora e dispara a primeira rajada, respondendo à frase que, quase 30 anos depois, dizem que Che proferiu: — Atire, covarde, que vai matar um homem!
"Quando entrei na sala, o Che estava sentado num banco. Quando me viu, disse: Você veio me matar. Eu não tinha coragem de disparar, e então o homem me disse: Fique calmo, você vai matar um homem. Então, dei um passo para trás, rumo à soleira da porta, fechei os olhos e disparei a primeira rajada. Che caiu no chão com as pernas destroçadas, contorceu-se e começou a perder muito sangue. Recuperei o ânimo e disparei a segunda rajada, que o atingiu no braço, em um ombro e no coração".
Pouco depois, o suboficial Carlos Pérez entra no quarto e dispara contra o corpo.
Não será o único: o soldado Cabero, para vingar a morte de seu amigo Manuel Morales, também dispara contra Che. 
As diferentes testemunhas parecem concordar sobre a hora da morte de Ernesto Che Guevara: uma e dez da tarde do domingo, 9 de outubro de 1967.
A professora grita com os assassinos.
Um padre dominicano de uma paróquia próxima tenta chegar a tempo para falar com Ernesto Guevara. O sacerdote Roger Schiller conta: "Quando me inteirei que o Che estava preso em La Higuera, consegui um cavalo, e_foi para lá. Queria confessá-lo. Sabia que ele tinha dito estou frito. Eu queria lhe dizer:
- O senhor não está frito. Deus continua acreditando no senhor.
Pelo caminho, encontrei um camponês:
- Não se apresse, padre - me disse ele - já o liquidaram".
Por volta das quatro da tarde, o capitão Gary Prado retorna ao povoado depois da última incursão dos rangers pelas quebradas adjacentes. Na entrada de La Higuera o major informa que executara Che. Prado faz um gesto de desgosto. Ele o havia capturado vivo. Preparam-se para levar o corpo em um helicóptero. Prado amarra sua mandíbula com um lenço para o corpo não se distorcer.
Um fotógrafo ambulante tira fotos dos soldados que cercam o cadáver, colocado em uma maca; são fotos domingueiras, provincianas, só os sorrisos estão ausentes. Uma foto registra Prado, o padre Schiller e dona Ninfa ao lado do corpo.
O padre entra na escola. Não sabe o que fazer: recolhe os cartuchos e os guarda; depois, começa a lavar as manchas de sangue. Quer limpar parte do terrível pecado mataram um homem na escola.
Mario Terán recebe a promessa de um relógio e de uma viagem a West Point para realizar um curso de suboficiais. As promessas não serão cumpridas.
O helicóptero eleva-se, levando amarrado ao seu patim, no trem de pouso o cadáver de Che Guevara.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Nasceu STENDHAL (Hoje na Historia)


      Nasceu Stendhal (Marie-Henri Beyle), nasceu em Grenoble em 1783 em França.
      Em 1799, mudou-se para Paris e, por intermédio de um primo que trabalhava no Ministério da Guerra, obteve um cargo no exército napoleônico. Um ano depois, alistou-se em seu regimento no norte da Itália, país que amava mais que o seu. A seguir, trabalhou intermitentemente no setor administrativo do exército, o qual acompanhou, em 1812, na desastrosa invasão da Rússia. Depois da queda de Napoleão, Stendhal fixou-se em Milão e começou a escrever, mas, em 1821, como as autoridades austríacas suspeitassem que ele fosse espião francês, retornou a Paris. Lá publicou um estudo psicológico, De l’amour, um primeiro e malsucedido romance, Armance, e, em 1830, sua primeira obra-prima, O vermelho e o negro. Tendo aderido à “revolução” daquele ano, solicitou um cargo público ao novo regime e foi nomeado cônsul francês em Civitavecchia, nas proximidades de Roma. Em 1838, de volta a Paris em prolongada licença, escreveu sua segunda obra-prima, A cartuxa de Parma. Com a saúde abalada, retornou pela última vez a Paris em 1841 e morreu no ano seguinte. Várias obras autobiográficas, seu Journal, assim como Souvenirs d’égotismo e notadamente um relato de sua juventude, La Vie de Henry Brulard, foram publicados postumamente.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Prefácio de Zé Limeira, o poeta do absurdo, de Orlando Tejo

José Américo de Almeida
Prefácio de Zé Limeira,
o poeta do absurdo,
de Orlando Tejo
Tomado de amores pela poesia popular, a manifestação mais viva da inteligência do Nordeste, Orlando Tejo escreveu este livro. 
É uma excelente contribuição para o conhecimento íntimo da musa matuta, representada por um dos seus curiosos exemplares. 
A literatura de cordel está, hoje, universalmente consagrada, como um dos testemunhos mais fiéis da tradição.  A pobreza de mitos regionais é suprida por essa fonte de comunicação imediata. 
Começa o autor enquadrando sua pesquisa no domínio do folclore, cujo conceito traduz com familiaridade e solidez. 
Finalmente, elege, um estudo, o tipo que representa, no seu entender, a revelação mais original da sobrevivência dos antigos trovadores: Zé Limeira, paraibano do Teixeira (l 886-1954). 
Esse Zé Limeira, chamado o Poeta do Absurdo, era doido ou um vidente. A figura humana encarnava um misto de excentricidade e simpatia. Alto, forte, sorridente, impressionava pelo físico e maneiras destabocadas. 
Andarilho de sete fôlegos, trazia o matulão a tiracolo e não largava a bengala de aroeira, feita um bordão. 
Meio carnavalesco, usava roupa de mescla com um lenço encarnado no pescoço. Seus dedos eram grossos de anéis. 
Cantando, com uma bonita voz, erguia, desdenhoso, o rosto guarnecido de grandes óculos escuros.  Este retrato denuncia o estado interior:  
  
Sou o cantador malhó   
                     Que a Paraíba criou-lo.
Eu me chamo Zé Limeira,   
                     Cantor de Sabedoria.
Não tem homem cuma eu.  
                     Sou o vátis das glórias desta terra.

O auto-elogio é próprio dos repentistas. Nos desafios, cada um procura superar o rival com suas pabulagens.  Mas o Poeta do Absurdo, por seus exageros, desafia um diagnóstico. 
Singularizava-se ele por sua independência e altivez.  Enquanto os outros cantadores, sempre louvaminheiros, exaltavam os "donos da festa", Zé Limeira era irreverente e pornográfico dentro dos ambientes mais austeros. 
Na casa de um agrônomo, que o chamara para cantar, escandalizou a família e os convidados com estas liberdades ao celebrar as virtudes da senhora do anfitrião: 
Eu sou um homem de fé  
                     Mais só conheço a muié  
                     Olhando a parte de baixo.
          
Na presença de um governador de Estado, saudou a primeira dama, depois de ter ouvido o parceiro esbofar-se em suas loas, com esta porcaria imprópria: 
                     Doutô, como eu não tenho um brinde em nota,  
                     Que possa oferecer à sua esposa, 
 
                     Dou-lhe um quilo de merda de raposa 
 
                     Numa casca de cana piojota. 

Tinha momentos de um saboroso realismo: 
                     Muié só presta arpejada,  
                     Porém só presta bem feme, 
 
                     Do jeito que foi Noeme 
 
                     Cum cinco mês de casada. 
 
  
        E no mesmo tom 
                     Só gosto de duas coisas:  
                     Vida boa e muié feme. 
 
                     Ainda o ano passado 
 
                     Fui pai dum casá de geme 
        Rebenta um imprevisto: 
                     Fui casado e bem casado,  
                     Cum quem, num digo cum quem. 
 
                     A muié ainda é viva, 
 
                     Mas morreu, mora no Além, 
 
                     Se um dia vortá à terra, 
 
                     Vai morá no pé da serra, 
 
                     Não casa mais cum ninguém. 
        Criou um lirismo rude: 
                     No dia que eu me zangá  
                     Mato você de carinho. 
        E mais temo: 
                     Minha muié chama Bela,  
                     Quando eu vou chegando em casa, 
 
                     O galo canta na brasa; 
 
                     Cai o texto da panela, 
 
                     Eu fico olhando pra ela... 
 
                     Morena de meu amor, 
 
                     Cabo de minha bengala, 
 
                     Segredo de minha mala, 
 
                     Meu cavalo corredor. 
         Admira esta fluência poética: 
                     Eu e o mestre na festa  
                     Canto até ficá de dia. 
 
                     Na terra só tem tristeza, 
 
                     No Céu só tem alegria. 
 
                     Se um dia eu fosse chamado  
 
                     Prá cantá no Céu eu ia. 
         E esta novidade de construção: 
                     Eu briguei com um cabra macho  
                     Mais não sei o que se deu: 
 
                     Eu entrei pru dentro dele, 
 
                     Ele entrou pru dentro deu, 
 
                     E num zuadão daquele 
 
                     Não sei se eu era ele 
 
                     Nem sei se ele era eu. 
         O que singularizava Zé Limeira era ser o antilógico: 
                     Casemo no ano de quinze,   
                     Na seca de vinte e três. 
                     Ela parece um limão  
                     Rodeado de cebola, 
 
                     Uma goiabeira verde 
 
                     Enfeitada de ceroula... 
 
                     Eu me lasco mas faço uma ferida  
 
                     No toitiço da velha madrugada. 
                     Quando uma vez eu cantava,  
                     Bem cedinho, à meia-noite, 
 
                     Quando eu de dia falava, 
 
                     Passou uma besta-fera 
 
                     E meus versos declamava. 

Baralhava ele as noções de tempo e de espaço.  E ainda pior, era a deformação pessoal.
Nos desafios, fugia do assunto, deixando de estabelecer o diálogo.  
Perdia o fio das respostas e prosseguia, desatento, distante, desarrazoado, sem ligar para o companheiro.  Fazia de conta que não ouvia a deixa.
Abusava da distorção histórica.  Não havia glória profana ou santidade que escapasse de suas caricaturas:  
  
                     Napoleão era um   
                     Bom capitão de navio: 
 
                     Sofria de tosse braba 
 
                     No tempo em que era sadio, 
 
                     Foi poeta e demagogo, 
 
                     Numa coivara de fogo 
 
                     Morreu tremendo de frio. 
                     Dom Pedro teve um enfarte,  
                     Tomou um chá de jumento, 
 
                     Vomitou, botô pra dentro, 
 
                     Tornô goipá outra vez... 
                     Quando Jesus veio ao mundo   
                     Foi só pra fazê justiça. 
 
                     Com treze ano de idade 
 
                     Discutiu com a doutoriça, 
 
                     Com trinta ano depois 
 
                     Sentô praça na puliça. 
                     O Marechá Floriano  
                     Antes de entrá pra Marinha,  
 
                     Perdeu tudo quanto tinha  
 
                     Numa aposta cum cigano.   
 
                     Foi vaqueiro vinte ano,  
 
                     Fora os dez que foi sargento.   
 
                     Nunca saiu do convento  
 
                     Nem pra lavá a corveta,  
 
                     Pimenta só malaqueta,  
 
                     Diz o Novo Testamento. 
Quando a Princesa lsabé
                     Escapou do cativeiro,
                     Arrodiou pru Monteiro
                     Vei se escondê em Sumé.
                     Foi quando uma cascavé
                     Mordeu-lhe a junta dá mão.
                     Foi morrê lá no Feijão,
                     Dum jeito de fazê pena...
                     Um dia Augusto dos Anjo,
                     Junto com São João da Barra,
                     Foram fazê uma farra
                     E tivero um desarranjo. 
 
  
 
                     Jesus nasceu em Belém,   
 
                     Conseguiu sair dali, 
 
                     Passou por Tamataí, 
 
                     Por Guarabira também.   
 
                     Nessa viage de trem 
 
                     Foi pará no Entroncamento. 
 
                     Não encontrando aposento 
 
                     Dormiu na casa do Cabo, 
 
                     Jantou cuscuz com quiabo, 
 
                     Diz o Novo Testamento.

Era assim que interrompia os torneios.  Seria uma fuga?  Um recurso de ocasião?  Um enxerto preconcebido para encontrar a rima? 
Essa incoerência não é um pensamento sem controle e, sim, uma agressão ao real.  Uma visão deformada e não o abstrato, o subjetivismo criativo. 
É exato que ele também se apresentava como inventor da linguagem: filosamia, filanlumia, pilogamia e outros termos que ninguém pescava. Deverá ser levado para o campo psiquiátrico ou seria um fenômeno de intuição realista? 
Ele mesmo disse: 
Eu sou um nego moderno,
                     Foi não foi, estou pensando.

De fato, era um repentista; a composição elaborada tinha outro valor. Orlando Tejo examina bem esse aspecto. 
Sabemos o que significa o automatismo contra a reflexão.  Mas não se encontra nessa poesia plebéia nenhum laivo do subconsciente ou do onírico; o que se observa é mera confusão.  Há uma exatidão intrínseca que não se deturpa. Uma coisa é ser hermético e outra é ser desconexo.
Temos mostras de surrealismo em alguns dos nossos melhores poetas: João Cabral de Meio Neto, Jorge de Lima, Murilo Mendes.  Um analfabeto não teria essa sensibilidade. 
Ou seria simplesmente uma intenção humorística, um jogo de  
crioulo doido? isso, sim. O poeta não levava as coisas a sério, trocava as bolas, procurando o pitoresco. 
Mas que imaginação picaresca! 
É um livro digno de estudo. 
O poeta Orlando Tejo expõe uma matéria nova para ser analisada ela crítica moderna.