quinta-feira, 28 de julho de 2016

Uma centopeia atrai a atenção de quem a examina, a despeito da aversão que desperta

    Na obra "O morro dos ventos uivantes", de Emily Brontë, clássico da literatura inglesa colonial, há um episódio que a repulsa alia-se insolitamente à curiosidade numa estranha simbiose sentimental. 
    A personagem central do livro, Heathcliff, assiste a desinteligência, com uma indiferença gla-cial, entre a sua preferida e a outra que in-terpunha desagradavelmente entre eles numa ce-na, que Emily Brontë magistralmente  amplia o significado do texto com uma grande expressi- sividade:  
   
"Heathcliff olhou fixamente aquela que era objeto da discussão, como se olharia para um animal estranho e repelente: uma centopeia das Índias, por exemplo, que atrai a atenção de quem a examina, a despeito da aversão que desperta".


quarta-feira, 27 de julho de 2016

As três lutas do homem

       A religião, a sociedade, a natureza: tais são as três lutas do homem. Estas três lutas são ao mesmo tempo as suas três necessidades; precisa crer, daí o templo; precisa criar, daí a cidade; precisa viver, daí a charrua e o navio. Mas há três guerras nessas três soluções. Sai de todas as misteriosas dificuldades da vida. O homem tem de lutar com o obstáculo sob a forma superstição, sob a forma preconceito e sob a forma elemento. Tríplice ananke (*) dos dogmas, das leis, das coisas. Em Notre-Dame de Paris, o autor denunciou o primeiro; nos Miseráveis, mostrou o segundo; neste livro indica o terceiro.
     A essas três fatalidades que envolvem o homem, junta-se a fatalidade interior, o ananke supremo, o coração humano.




VICTOR HUGO
Hauteville-House, março de l866.



sexta-feira, 22 de julho de 2016

Exercer a nossa influência sobre alguém é darmos a própria alma, Oscar Wilde.

     O irlandês Oscar Wilde, que se notabilizou sobretudo como dramaturgo, escreveu um único romance, O Retrato de Dorian Gray, obra que causou escândalo e controvérsia na Inglaterra vitoriana. Dorian Gray é um homem rico que vende a alma em troca da juventude eterna. A passagem do tempo não lhe altera a bela aparência, enquanto o seu retrato mágico envelhece e revela a decadência interior. Expressando as preo-cupações estéticas e os paradoxos morais de Wilde, a narrativa constitui uma reflexão sobre o envelhecimento, o prazer, o crime e o castigo.
     Pela genialidade de Wilde pincei mais este texto da obra, texto ímpar de um gênio, vale a pena lê-lo:
  

    "- É verdade que a sua influência é assim tão má, Lord Henry? - perguntou-lhe, alguns momentos depois.
    - Uma boa influência é coisa que não existe, Mr. Gray.
   Toda a influência é imoral, imoral sob o ponto de vista cien-tífico.
   - Porquê?
 - Porque exercer a nossa influência sobre alguém é darmos a pró-pria alma. Esse alguém deixa de pensar com os pensamentos que lhe são inerentes, ou de se inflamar com as suas pró-prias paixões. As suas virtudes não lhe são reais. Os seus pecados - se é que os pecados existem - são emprestados. Tal pessoa passa a ser o eco da música de outrem, o ator de um papel que não foi escrito para si. O objetivo da vida é o nosso desenvolvimento pessoal. Compreender perfeitamente a nossa natureza - é para isso que estamos cá neste mundo. Hoje as pessoas temem-se a si próprias. Esqueceram o mais nobre de todos os deveres: o dever que cada um tem para consigo mesmo. É certo que não deixam de ser caritativos. Dão de comer aos que têm fome e vestem os pobres. Mas as suas almas andam famintas e nuas. A coragem desapareceu da nossa raça. Ou talvez nunca a tivéssemos tido. O temor da sociedade, que é a base da moral, o temor de Deus, que é o segredo da religião - eis as duas coisas que nos governam. E, contudo... - Volte a cabeça um pouco mais para a direita, Dorian, seja um rapaz bem comportado - disse o pintor, absorvido pelo seu trabalho e apercebendo-se apenas de que surgira no rosto do jovem uma expressão que nunca lhe vira antes.
 O temor da sociedade, que é a base da moral, o temor de Deus, que é o segredo da religião - eis as duas coisas que nos governam. E, contudo... - Volte a cabeça um pouco mais para a direita, Dorian, seja um rapaz bem comportado - disse o pintor, absorvido pelo seu trabalho e apercebendose apenas de que surgira no rosto do jovem uma expressão que nunca lhe vira antes. 
- E, contudo - continuou Lord Henry na sua voz Grave e musical, e fazendo um gracioso gesto com a mão, tão característico, mesmo já nos tempos de Eton -, se um homem devesse viver a sua vida em toda a plenitude, dar forma a todos os sentimentos, expressão a todos os pensamentos, realidade a todos os sonhos, creio que o mundo ganharia um novo impulso de alegria que nos levaria a esquecer todos os males do medievalismo e a regressar ao ideal helénico. Talvez mesmo a algo mais refinado e mais rico que o ideal helénico. Mas o mais ousado de todos nós teme-se a si mesmo. O selvagem mutilado que nós somos sobrevive tragicamente na auto-rejeição que frustra as nossas vidas. Somos punidos pelas nossas rejeições. Todo o impulso que esforçadamente asfixiamos fica a fermentar no nosso espírito, e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e mais não precisa, pois a acção é um processo de purificação. E nada fica, a não ser a lembrança de um prazer, ou o luxo de um pesar. Ceder a uma tentação é a única maneira de nos libertarmos dela. Se lhe resistimos, a alma enlanguesce, adoece com as saudades de tudo o que a si mesma proíbe, e de desejo por tudo o que as suas leis monstruosas converteram em monstruosidade e ilegalidade. Diz-se que as grandes realizações deste mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro, e só aí, que ocorrem os grandes erros do mundo. E até o senhor, Mr. Gray, que se encontra na flor da juventude, viveu paixões que o atemorizaram, teve pensamentos que o apavoraram e, quer acordado, quer a dormir, teve sonhos tais, que a sua simples lembrança, fariam corar de vergonha... 
     - Não continue, por favor! - balbuciou Dorian Gray -, Sinto-me confuso. Nem sei que dizer. Há decerto uma resposta adequada, eu é que a não consigo encontrar. Não diga nada. Deixe-me pensar ou, mais exatamente, deixe-me tentar não pensar.
    Durante cerca de dez minutos, permaneceu imóvel, os lábios entreabertos e um brilho estranho no olhar. Tinha uma vaga percepção de que dentro de si atuavam influências inteiramente novas. E, todavia, pareciam ter surgido de dentro de si mesmo. As poucas palavras que o amigo de Basílio lhe dirigira - palavras proferidas por acaso, sem dúvida, e intencionalmente paradoxais - tinham feito vibrar uma corda secreta, até então nunca tocada, que sentia agora latejar ao ritmo de inexplicáveis pulsações. 
     Também a música o perturbava assim, e muitas vezes o tinha emocionado. Mas a música não recorria às palavras. Criava em nós, não um novo mundo, mas sim outro caos. As palavras, simples palavras... como podiam ser terríveis! Como eram nítidas, e vívidas, e cruéis! Não conseguíamos fugir-lhes. E, no entanto, quanta magia sutil possuíam! Pareciam capazes de dar forma plástica a coisas informes e de possuir música própria tão suave como a da viola e do alaúde. Meras palavras!   
     Haveria alguma coisa tão real como as palavras? Haviam ocorrido coisas durante a sua meninice que, nesse tempo, não entendera. Compreendia-as agora. A vida surgia-lhe, de repente, com um colorido flamejante. Tinha a sensação de ter caminhado sobre o fogo. Por que não soubera antes?
     Com o seu sorriso sutil, Lord Henry ficou a observá-lo. Ele sabia qual o exato momento psicológico em que devia permanecer calado. Sentia um interesse enorme. Ficou surpreendido com a súbita impressão que as suas palavras haviam provocado, e, recordando um livro que lera aos dezesseis anos e que lhe desvendara muitas coisas que antes ignorava, interrogava-se se Dorian Gray estaria passando por experiência semelhante. Limitara-se a atirar uma seta para o ar. Teria atingido o alvo? Que rapaz tão fascinante! Hallward continuava a pintar, com aquele seu estilo ousado e magnífico, que possuía verdadeiro requinte e perfeita delicadeza, e que, pelo menos em arte, só provém da força interior. Nem se apercebeu do silêncio que se fizera. - Sinto-me cansado de estar de pé, Basílio - exclamou Dorian Gray, de repente. - Preciso de ir sentar-me um pouco lá fora no jardim. O ar aqui dentro está sufocante. 
     - Desculpe, meu amigo. Quando estou pintando, não consigo pensar em mais nada. É que você nunca posou tão bem, esteve perfeitamente imóvel. Captei o efeito que pretendia: os lábios entreabertos e o brilho do olhar. Não sei o que Harry lhe esteve a dizer, só sei que lhe provocou essa expressão maravilhosa no rosto. Provavelmente esteve a dirigir-lhe elogios. Mas não acredite em nenhuma das suas palavras. 
     - Pode ter a certeza de que ele não me fez elogios. Talvez seja por isso que não acredito em nada do que me disse. 
     - Sabe perfeitamente que acredita em tudo o que lhe disse - interveio Lord Henry, fitando-o com o olhar lânguido e sonhador. - Acompanho-o ao jardim. Está um calor horrível dentro do estúdio. Dê-nos qualquer coisa gelada para beber, Basílio, uma coisa que tenha morangos. 
     - Com certeza, Harry. Toque a campainha, e quando Parker aparecer transmitir-lhe-ei o seu pedido. Tenho que trabalhar este fundo, por isso só irei ter convosco mais logo. Não me retenha Dorian muito tempo. Nunca esteve em tão boa forma para pintar como hoje. Esta vai ser a minha obra-prima. Ela já é a minha obra-prima assim como está.
     Lord Henry foi para o jardim. Encontrou Dorian Gray com o rosto mergulhado nos grandes cachos frescos de lilases, absorvendo-lhes febrilmente o perfume como se fosse vinho. Aproximou-se dele e pousou-lhe a mão no ombro. 
     - Faz muito bem em fazer isso - murmurou. - Só os sentidos podem curar a alma, assim como só a alma pode curar os sentidos. 
     O rapaz sobressaltou-se e recuou. Estava de cabeça descoberta, e as folhas tinham-lhe despenteado os anéis rebeldes do cabelo, enleando-lhe as madeixas douradas. Tinha um olhar assustado, como o daquelas pessoas que são acordadas de repente. As narinas, de linhas delicadas, fremiam, e um nervo oculto fazia tremer os lábios rubros. 
     - É verdade - continuou Lord Henry -, esse é um dos grandes segredos da vida: curar a alma através dos sentidos, e os sentidos através da alma. O senhor, Mr. Gray, é uma maravilha da criação. Sabe mais do que julga que sabe, mas também sabe menos do que quer saber. 
     Dorian Gray, de semblante carregado, voltou a cabeça para o outro lado. Não podia deixar de gostar do homem alto e grácil que estava junto de si. Despertavam-lhe interesse o rosto romântico cor de azeitona e a sua expressão fatigada. Havia algo na voz Grave e lânguida que era extraordinariamente fascinante. Até as mãos, brancas e frias como flores, possuíam um estranho encanto. Quando falava, moviam-se como música, e pareciam ter uma linguagem própria. Mas tinha medo dele e tinha vergonha de ter medo. Por que havia de ter sido um desconhecido a revelar-lhe o seu próprio íntimo? Já se tinham passado meses desde que conhecera Basílio Hallward, contudo a amizade entre eles não o tinha modificado em nada. E, logo assim, de súbito, deparou com uma pessoa que parecia ter-lhe desvendado o mistério da vida. E o que havia a recear? Não era nenhum rapazinho, nem uma menina... Era absurdo sentir medo. 
     - Sentemo-nos à sombra - sugeriu Lord Henry. - Parker já trouxe as bebidas, e se o senhor permanecer mais tempo sob este sol escaldante, vai ficar com a pele estragada, e, depois, Basíliol não voltará a pintar o seu retrato. Na verdade, não se deveria deixar queimar pelo sol. Não lhe ficaria nada bem. 
     - E que importância tem isso? - exclamou Dorian Gray, a rir, sentando-se num banco ao fundo do jardim. 
     - Devia ter muita importância para si, Mr. Gray. - Porquê? - Porque tem uma juventude deslumbrante, e a juventude é a única coisa que vale a pena ter.
     - Não penso assim, Lord Henry.
     - Pois não, não pensa assim agora. Um dia, quando for velho, enrugado e feio, quando o pensamento lhe tiver sulcado a fronte de rugas, e a paixão, com suas chamas medonhas, lhe tiver crestado os lábios, sentirá então uma impressão terrível. Agora, aonde quer que vá, consegue seduzir todas as pessoas. Mas será sempre assim? Tem um rosto de beleza deslumbrante, Mr. Gray. Não precisa de fazer esse ar tão contrariado. É verdade. E a Beleza é uma forma de gênio, sendo mesmo superior ao gênio, pois não necessita de ser explicada. Ela faz parte dos grandes elementos do universo, como a luz do sol, a Primavera, ou o reflexo nas águas noturnas, dessa concha de prata a que chamamos lua. Não pode ser contestada. Tem o direito divino de um soberano. Transforma em príncipes os que a possuem. Sorri? Ah, quando a tiver perdido, deixará de sorrir... Por vezes, ouve-se dizer que a Beleza é apenas superficial. Talvez seja. Mas, ao menos, não é tão superficial como o Pensamento. Considero a Beleza a maravilha das maravilhas. Só os fúteis não julgam pelas aparências. O verdadeiro mistério do mundo é o visível, e não o invisível. Sim, Mr. Gray, os deuses foram-lhe favoráveis. Mas os deuses dão agora, para tirar depois. O senhor tem tão-somente alguns anos para poder viver a vida em real plenitude. Quando a mocidade se for, com ela irá a sua beleza, e, então, cedo descobrirá que não lhe restaram êxitos, ou terá que se contentar com os êxitos insignificantes, que a lembrança do passado tornará mais amargos do que às derrotas. À medida que os meses vão minguando, eles vão-no aproximando de algo terrível. O tempo tem ciúmes de si, e faz guerra à primavera dos seus anos. Então, ficará com a pele macilenta, as faces encovadas e o olhar mortiço. Irá sofrer tormentos... Ah! Tome plena consciência da sua juventude enquanto a possuir. Não esbanje o ouro dos seus dias a dar ouvidos a gente maçadora que tenta aproveitar o fracasso irremediável, nem perca o seu tempo com os ignorantes, os medíocres e os boçais. São esses os objetivos doentios, os falsos ideais dos nossos dias. Viva, viva a vida maravilhosa que existe em si! Não desperdice nenhuma oportunidade, procure sempre novas sensações. Não tenha medo de nada... Um novo Hedonismo - eis o que faz falta ao nosso século. O senhor podia ser o seu símbolo vivo. Com essa sua personalidade, não existe nada que não possa fazer. O mundo pertence-lhe por um determinado tempo... No mesmo instante em que o conheci, Mr. Gray, vi que o senhor não tinha consciência da sua verdadeira natureza, nem do que poderia ser. Havia em si tantas coisas que me fascinaram, que achei que devia falar-lhe de si. Pensei que seria muito trágico se se fosse perder. É que é tão breve o tempo de duração da sua mocidade... tão breve. As vulgares flores silvestres fenecem, mas voltam a florir. Este laburno estará tão amarelo em Junho do ano que vem como está agora. No espaço de um mês, a clematite ficará coberta de estrelas cor de púrpura, e, ano após ano, a noite verde das suas folhas vai segurar as mesmas estrelas avermelhadas. Mas nós nunca recuperamos a nossa mocidade. O pulsar de alegria, que em si lateja aos vinte anos, perde o vigor. Os nossos membros tornam-se débeis, os sentidos definham. Vamos degenerando até nos transformarmos em fantoches hediondos, perseguidos pela lembrança das paixões que tanto temíamos, e das requintadas tentações a que não tínhamos coragem de ceder. Ah, juventude... juventude! Não há absolutamente mais nada no mundo senão a juventude.
    Com olhar de espanto, e cheio de dúvidas, Dorian Gray ouvia atentamente. Deixou cair no chão de cascalho a haste de lilás que segurava. Uma abelha peluda aproximou-se dela e andou zumbindo à sua volta por uns instantes. Depois, começou a trepar pelo maciço oval de minúsculas flores estreladas. Dorian observava-a, com aquele estranho interesse que fazemos por tomar pelas coisas triviais, quando coisas de maior importância nos causam medo, ou quando somos agitados por uma nova emoção que não sabemos definir, ou quando o nosso cérebro é subitamente assediado por um pensamento terrível que nos exorta a rendermo-nos. Pouco depois, a abelha voou para longe. Viu-a rastejar para o interior da campânula irisada de uma trepadeira. A flor pareceu estremecer e, logo, começou a balouçar suavemente."

Obra O Retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde - 

pags. 15/19



domingo, 17 de julho de 2016

Sempre! Que palavra horrível!, segundo Oscar Wilde!

     Oscar Wilde, na sua única obra literária, O Retrato de Dorian Gray, questiona o sempre! 
     Sempre=eterno. Eterno só Deus para os crentes.
     E a definição é magnânima pela irreverência no conceito desta palavra que tem aroma de falsa:

"Sempre! 
Que palavra horrível! 

  Faz-me arre-pios ouvi-la. As mulheres é que gostam muito de a usar.
Conseguem destruir um romance de amor quando procuram fazê-lo durar para sempre. Além disso, é também uma palavra sem sentido. A única diferença entre um capricho e uma paixão para toda a vida é que o capricho dura um pouco mais"


Obra O Retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde - pag. 19



sexta-feira, 15 de julho de 2016

A beleza é uma forma de gênio

      O Retrato de Dorian Gray é uma obra em que Oscar Wilde confronta o leitor com a perfeição impossível, as convenções dispensáveis ou a mortalidade inevitável. Wilde visualiza a cisão entre a aparência e a realidade objetivada na pintura.
     A pintura revela ou exterioriza o que o homem esconde: sua decadência, sua consciência, sua idade, sua corrupção moral e psicológica que o levará à destruição do próximo e, finalmente, de si mesmo.

  "... A beleza é uma forma de gênio... diria mesmo que é mais sublime que o gênio por não precisar de qualquer explicação. 
É um dos grandes fatos do mundo, como a luz do sol, ou a primavera, 
ou o reflexo nas escuras águas dessa concha de prata 
a que chamamos lua. 
É inquestionável..."




Excerto da obra "O Retrato de Dorian Gray"
Oscar Wilde


sábado, 9 de julho de 2016

Subsídios para a História do Padre Rolim

Crônica do Professor Antonio de Sousa

Sob o título: HISTORIA NATURAL de autor sertanejo, editada em 1881, J. DE FIGUEIREDO FILHO (foto), Crato - Ceará, publicou, em setembro de 1973, na Revista Brasileira de Medicina - Vol. 30 – N0 9, importante trabalho de análise histórica sobre "a evolução relativa do Nordeste, nos últimos tempos".
J. DE FIGUEIREDO FILHO, em sua análise, afirma que "está ainda longe o momento dessa região sacudir o jugo do subdesenvolvimento". E, aprofundando o seu pensamento, ele diz: "Não há, porém, motivo para desânimo. Alguns de seus trechos começam a progredir intensamente e o nordestino, em geral, não é infenso à civilização. Tem ânsias até de melhorias. Basta simples exemplo, ã guisa de teste”.
Edifício da Fundação Cultural  J.
 de Figueiredo Filho no Crato CE

"Quando comecei o aprendizado das primeiras letras, havia, em minha cidade natal, apenas três escolas públicas primárias e outra particular. Há agora oito grupos  escolares, superlotados de alunos, no perímetro urbano, várias escolas reunidas e cerca de duzentos e cinquenta isoladas, na zona rural. Treze ginásios funcionam na sede municipal, duas faculdades de ensino superior, além de outras tantas em formação, afora estabelecimentos de cunho profissional"
Desdobrando sua análise histórica, J. de Figueiredo Filho faz uma interrogação dando a respectiva resposta: "O que era que acontecia, em épocas passadas, neste Nordeste secas periódicas sem qualquer remédio, cangacerismo político e a mais crassa ignorância". Figueiredo Filho, enfatizando acrescenta: "Mesmo em ambiente assim, surgiam núcleos de irradiação de instrução e de cultura, a lutarem tenazmente contra as mazelas do meio, a fim de modificá-lo para melhor".
Depois de uma breve digressão sobre a excursão do viajante britânico George Gardner, em 1839, nos ínvios sertões do Piauí, "que surpreendeu-se em deparar-se, em Boa Esperança, simples fazenda de Jaicós, com a inteligência”
Com frequência multiforme do Dr. MARCOS MACEDO, que fizera seus primeiros estudos ali mesmo, naqueles ermos, em Colégio bem orientado pela abnegação e competência do Padre MARCOS DE ARAÚJO CHAVES FIGUEIREDO FILHO focaliza a nossa terra, a terra do Padre ROLIM. "Na fazenda Cajazeiras, Paraíba do Norte, presentemente transformada em cidade, nasceu outra figura pioneira, que se projetaria, nos sertões nordestinos, de maneira admirável, pelo seu saber e devotamente pela causa da educação. Foi o Padre INÁCIO DE SOUSA ROLIM que criou educandário, naquelas paragens, de atuação marcante em vasta zona sertaneja. Não se contentava só ao currículo das aulas, como também fazia pesquisas e produzia livros para uso escolar. Era autor de uma gramática da língua grega adotada por muitos estabelecimentos de ensino do país".
"Na biblioteca do Instituto Cultural do Cariri, em Crato, há velho compêndio de História Natural, edição de 1881, para o ‘entretimento dos alunos’, como diz modestamente o autor Padre INÁCIO DE SOUSA ROLIM, Foi impresso na Paraíba, capital da Paraíba do Norte, agora com o topônimo mudado para João Pessoa, pela Tipografia Conservadora, à rua Visconde de Pelotas, 24".
Figueiredo Filho faz ponto na sua definição sobre a História Natural do Padre Rolim, prometendo demorar-se sobre esse livro didático, em linhas mais abaixo.
Em seguida, passa a dissertar sobre a fundação do Seminário São José, no Crato, em pleno centro geográfico do Nordeste, grande empreendimento levado a efeito pelo primeiro Bispo do Ceara - D. LUIS ANTONIO DOS SANTOS que, por duas vezes, "percorreu a cavalo a distância de quase cem léguas, entre Fortaleza e Crato. A finalidade dessa casa de educação religiosa era modificar o ambiente pela luz da instrução e formar sacerdotes, alicerçados em sólida cultura e na fé". O vasto prédio que edificou ainda hoje domina a cidade, com sua imponência. O ilustre prelado logrou ver seu empreendimento coberto de êxito. O Seminário do Crato formou as elites que, mais adiante, fariam a renovação cultural e educacional da zona.
Figueiredo Filho menciona Canindé, também no Ceará, "onde os capuchinhos fizeram outra obra de grande repercussão no interior cearense o seu colégio que abrigava centenas de estudantes pobres".
“Tanto de Cajazeiras, como do Crato e Canindé, saíram numerosos sacerdotes, em menor quantidade médicos e agricultores com base melhor para vencerem em suas respectivas profissões.
Depois de se alongar em sua apreciação sobre a evolução da obra educacional e cultural implantada nos sertões do Nordeste, através dessas três cidades - Cajazeiras, Crato e Canindé-, Figueiredo Filho, conforme prometera linhas acima, volta ao assunto da História Natural do Padre Rolim.
"Agora tomemos o fio da meada, voltando para a História Natural, do Padre Inácio de Sousa Rolim. É escrita em linguagem clara, acessível ao nível intelectual de qualquer aluno secundário".
"Demonstra o alto grau de conhecimentos humanísticos do autor. A pag. 6 evidência do valor incontestável da História Natural, em múltiplas atividades humanas, incluindo a medicina: ‘A importância prática das ciências ê muito evidente para que tenhamos necessidade de demonstrar. Para isso nos convencermos basta lançar os olhos em roda de nós; pensar nas riquezas ocultas no seio da terra, e nos serviços que a Geologia e a Minerologia dão cada dia a nossa indústria; ver as plantas tão variadas e tão belas que servem com uma magnífica prodigalidade, sendo a História Natural a que deve seguir de guia à agricultura; enumerar esses animais que nos dão carne, a lã, a seda e o mel; que nos prestam certa força de que nós carecemos; ou que bem longe de nos ser úteis como as precedentes, destroem colheitas etc. recordar-se enfim a longa série de enfermidades de que a máquina humana é muitas vezes atormentada; e bem convencer-se desta verdade que a Medicina se agita como cega, todas às vezes que não se apoia sobre o estudo científico da natureza humana".
Estuda, com poder de síntese admirável, classificando-os, os animais, vegetais e minerais. Enumera os 54 elementos conhecidos, até então, confundindo-os com corpos simples, ã maneira da Química do tempo. Erudito, conhecedor do latim e do grego, não esquece de dar, em notas, no fim de cada página, a origem do nome de famílias, ordem etc. em Botânica ou Zoologia. Exemplifiquemos: "Digitogrados forma-se do Latim - Di gitus: dedo e Gradior: - marchar, porque eles marcham apoiando no chão somente os dedos. Ornithoríneo é palavra do grego Opvis, Opvitos - pássaro, Goyssas - bico".
Dá a origem histórica das ciências naturais a começar pelos estudos de Aristóteles, até o momento quando escreveu aquele útil livro que não serviu unicamente aos seus alunos de Cajazeiras, mas a outros educandários do Norte. Sua cidade muito lhe venera a memória, dando-lhe o nome a rua, instituições e erguendo-lhe estátua.
Ruínas do Engenho D'água na
localidade de Lameiro - Crato/CE
Muito se vinculou ao Cariri cearense, onde possuía sítio no Lameiro no município do Crato. Mão se limitava somente ao estudo teórico das ciências naturais. Procurava desvendar a flora da chapada do Araripe, ao sopé da qual encravava-se a sua propriedade. Identificou fibras têxteis que pode riam substituir o linho. Procurou introduzir, no Lameiro, a cultura do linho e de outras variedades importadas. Dirigiu ofício, em busca de sementes, ao presidente do Ceará de então- Marcelino Nunes Gonçalves. Tal documento publicaremos ao encerrar este trabalho, colhido de EFEMÉRIDES DO CARIRI do escritor IRIHEU FINHEIRO e editado pela Imprensa Universitária do Ceará.
Dizem que um seu irmão, Dr. ROLIM, resi­dia em terras cratenses. Era professor de letras e meio amalucado e por isso os pais não lhe confiavam as filhas e unicamente os meninos. Na seca de 1877, a doença mental o atacou mais intensamente, como sucede em tempo de calamidade. Tornou-se até grande benfeitor dos retirantes. Organizou grupo, em sistema militar, ainda sob influência da guerra do Paraguai. Saia pelos sítios a fora com seu grupo de esfarrapados, em marcha cadenciada, ã cata de esmolas. Distribuía-as equitativamente, minorando assim o sofrimento daquela pobre gente. Procedia melhor do que o comum dos mortais, de juízo mais equilibrado do que ele.
O Padre Inácio de Sousa Rolim nasceu em 1800, na fazenda Cajazeiras, propriedade de seus genitores, o cearense Vital de Sousa Rolim e consorte - D. ANA ALBUQUERQUE. Estudou em Recife e firmou seu nome ali, na qualidade de professor. Em 1843, fundou o colégio que se notabilizou em todos os setores nordestinos. Foram seus alunos o Cardeal Arcoverde e o Padre Cícero Romão Batista. A fazenda cresceu em torno do educandário e da capela que sua genitora edificou. É agora das cidades mais cultas e prósperas do interior nordestino.
Vista atual da cidade do Crato do Lameiro, hoje uma vila.
A cultura de trigo do Padre Rolim. no Lameiro, on- de fundou também capela, já destruída pelo tempo, deu resultado, pela intensa caní- cula dos meses terminados em bê-erre-o-brô - setembro, ou- tubro, novembro e de- zembro.
O padre Inácio de Sousa Rolim foi um dos grandes construtores da civilização nordestina. O documento que dirigiu ao presidente ANTONIO MARCELINO NUNES GONÇAL- VES mostra das belas facetas de seu espírito privilegiado.
Anexo, em separata, cópia autêntica do ofício que o Padre Rolim dirigiu ao Presidente da Província do Ceará, ANTONIO MARCELINO NUNES GONÇALVES, em 19 de setembro de 1868.
                                      
                                      Cajazeiras, 19 de dezembro de 1978.
                                            Professor Antonio de Sousa


sexta-feira, 8 de julho de 2016

Excerto da obra Judas o Obscuro

Pode você impedir a abelha de voar pelos ares? Ou o pombo-bravo de mudar de cor? Não! Nem o amor encadeado… Thomas Hardy Judas o Obscuro Romance

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Os feios e os estúpidos são os que mais ganham neste mundo, Oscar Wilde.

       O irlandês Oscar Wilde, que se notabilizou sobretudo como dramaturgo, escreveu um único romance, O Retrato de Dorian Gray, obra que causou escândalo e controvérsia na Inglaterra vitoriana. Dorian Gray é um homem rico que vende a alma em troca da juventude eterna. A passagem do tempo não lhe altera a bela aparência, enquanto o seu retrato mágico envelhece e revela a decadência interior. Expressando as preo-cupações estéticas e os paradoxos morais de Wilde, a narrativa constitui uma reflexão sobre o envelhecimento, o prazer, o crime e o castigo.

     Pela genialidade de Wilde pinçei este texto da obra, texto ímpar de um gênio, vale a pena lê-lo: 

     “Há em toda a superi-oridade física e intelec-tual certa fatalidade, aquela fatalidade que pa-rece perseguir ao longo da história os passos vaci-lantes dos reis. É prefe-rível não sermos diferen-tes dos outros. Os feios e os estúpidos são os que mais ganham neste mun-do. Podem ficar despre-ocupadamente embasba-cados a olhar. Se não co-nhecem o triunfo, pelo menos também não conhecem a derrota. Vivem como todos nós de-víamos viver - impassíveis, indi-ferentes, e sem inqui-etações. Não trazem o mal a ninguém, nem o rece-bem de mãos alheias".
Obra O Retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde -
pags. 13/14