terça-feira, 8 de janeiro de 2013

PADRE ROLIM: O “ANCHIETA” DO NORDESTE

Profª. Drª. Eunice Simões Lins Gomes –UFPB-PPGCR[1]
Andréa de Oliveira Queiroz[2]-UFPB
ProfºDr. Leonildo Silveira Campos- UMESP[3]-PROCAD

RESUMO

O
 objetivo deste artigo é analisar o conjunto das imagens pedagógicas descritas pelos historiadores do Padre Inácio de Sousa Rolim. Trata-se de uma pesquisa exploratória com abordagem qualitativa e como método de análise a hermenêutica simbólica. Apresentamos como resultado parcial, uma análise sobre o conjunto das imagens referente à convocação dos alunos para estudarem e em seguida sobre as imagens da escola/fazenda que teve inicio em 1829. As primeiras considerações identifica que estas imagens remetem aos símbolos ascensionais, a escola/fazenda transformada em um colégio de instrução secundária se constitui na casa/saber, lugar de iluminação, proporciona a luz do entendimento, da sabedoria, tanto é que repercutiu nas províncias do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco.

Palavras-chave: escola. religião. ensino. imaginário.

FATHER ROLIM: THE “ANCHIETA” OF NORTHEAST

ABSTRACT

The objective of this article is to analyze the cluster of pedagogical images identified by historians studying Father Inácio de Sousa Rolim. This, then, is a piece of exploratory research with a qualitative approach, which utilizes hermeneutic symbolism. As a sample of our findings, we present an analysis of images linked with the school/farm which began in 1829. Our initial considerations are that these images have recourse to the ascensional symbols, the school became a college of secondary education, constituting a house of learning, a place of illumination which brings the light of understanding and wisdom, so much so that the influence extended to Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte and Pernambuco.  
Key Words: school. education.religion.Imaginary.




[1]ProfªDrª do departamento e no programa de Pós Graduação em Ciências das Religiões da UFPB, emaileuniceslgomes@gmail.com grupo de estudo e pesquisa em Antropologia do Imaginário - gepaihttp://gepai.yolasite.com/ - Pesquisa de Pós Doutorado em Ciências da Religião.
[2] Bolsista do PIBIC, pesquisadora do grupo gepai e aluna da graduação em Ciências das Religiões-UFPB.
[3]Prof.Dr.orientador do Pós Doutorado na UMESP.

PADRE ROLIM: O “ANCHIETA” DO NORDESTE

                                                            
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Iniciamos este artigo, justificando a escolha da temática, por reconhecermos a grande influência que padre Inácio de Sousa Rolim, civilizador sertanejo e educador, proporcionou no âmbito educacional, no estado da Paraíba e no Nordeste brasileiro,que foi desconhecido de nossos cursos e manuais pedagógicos.
O objetivo de nosso estudo consiste emanalisar o conjunto das imagens pedagógicas descritas pelos historiadores do Padre Inácio de Sousa Rolim. Esclarecemos que não ficaremos apenas descrevendo as imagens, mas também sobre o devaneio que estas imagens acendem.
Nessa compreensão, construímos nossa questão problema: qual será a imagem despertada por ocasião da convocação dos alunos para estudarem na escola e qual será a imaginação material Bachelard(2002), das imagens da escola/fazenda que teve início em 1829?
Esclarecemos segundo (GOMES, 2010) que a imaginação material não é evocativa, passiva diante do mundo, ao contrário ela é essencialmente criadora, poetificante, inventora de novas imagens. Até porque resulta do embate entre o homem e o mundo na direção de sentir as resistências da matéria e operar criando outro mundo.
Nesse sentido estaremos na busca da força imaginante que estas imagens evocam a partir da teoria do imaginário, proposta por Durand, porque entendemos que o imaginário é capaz de penetrar e integrar a diversidade do humano.
Gilbert Durand (2001) elabora a Teoria Geral do Imaginário a partir da crítica que faz à desvalorização da imagem e do imaginário no pensamento ocidental, que considera a imaginação como “mestra do erro e da falsidade”. Esta desvalorização é fruto da ciência moderna, cujo modelo, global e totalitário, nega o caráter racional, portanto científico, a todas as formas de conhecimento que não se pautem pelos seus princípios epistemológicos e por suas regras metodológicas.
No entanto, ao valorizar a razão, em detrimento do imaginário, a iconoclastia ocidental pretendeu um “pensamento sem imagem”; mas, por trás da fachada hipócrita do iconoclasmo oficial, o mito continuou a proliferar de forma clandestina, graças à expansão literalmente fantástica da mídia que reinstalou a imagem, (SANCHEZ-TEIXEIRA, 2000). Tal fato evidencia o grande paradoxo da modernidade que, ao mesmo tempo em que recusa a imagem em proveito da razão, é incessantemente assediada por ela. Segundo Durand (1994, p. 10),
[...] os difusores das imagens, a mídia, estão onipresentes em todos os níveis da representação, da psique do homem ocidental, ou ocidentalizado. Do berço ao túmulo a imagem está lá, ditando as intenções de produtores anônimos ou ocultos: no despertar pedagógico da criança, nas escolhas econômicas e profissionais dos adolescentes, nas escolhas tipológicas de cada um, nos costumes públicos ou privados a imagem midiática está presente, ora se pretendendo como “informação”, ora ocultando a ideologia de uma “propaganda”, ora fazendo a “publicidade” sedutora [...].

Paradoxalmente, a própria razão ao pretender abarcar tudo, preparou o caminho para o retorno da imagem e da sensibilidade reprimida. Por não ser sensível à força do seu contrário, o racionalismo não conseguiu integrá-lo para temperar a sua pulsão hegemônica (MAFFESOLI, 1998) e, com isso, foi perdendo espaço. Em outros termos, e lembrando Bachelard (1990), poderíamos dizer que a uma “dialética da razão” se vem acrescentar uma “dialética da imaginação”, que havia sido rejeitada pela mentalidade cientificista da modernidade.
Como procedimento metodológico para o desenvolvimento da análise no primeiro momento realizouo levantamento dos dados sobre a vida e obra de padre Rolim, contextualizandoa educação brasileira na épocaa partir das leituras e fichamentosdos historiadores da educação.
No segundo momento, com o propósito de analisar o conjunto das imagens referente à convocação dos alunos para estudarem na escola/fazenda e as imagens da escola/fazenda, a partir das imagens plasmadas no relato dos historiadores que descreveram sobre a vida de padre Rolim, selecionou como abordagem metodológica a Teoria Geral do Imaginário de Gilbert Durand, isso por entender que se aproxima mais do nosso interesse investigativo. Apoiado nessa teoria, consideramos que o imaginário não é um elemento secundário do pensamento humano, e sim a própria matriz do pensamento, (GOMES, 2010).
Sendo o imaginário um sistema dinâmico organizador de imagens, cujo papel fundador é o de mediar à relação do homem com o mundo, com o outro e consigo mesmo, percebemos que essa função fantástica do imaginário acompanha os empreendimentos mais concretos da sociedade, modulando até a ação social e a obra estética. A mitologia é primeira em relação a qualquer metafísica, mas também ao pensamento objetivo. Os mitos são manifestos nos atos simbólicos, cuja função é colocar o homem em relação de significado com o mundo, com o outro e consigo mesmo. (KAST, 1997).
Nessa perspectiva metodológica suspeitamos estar avançando ao esgotamento da ciência moderna, marcada pelo racionalismo positivista, que elimina o mito e minimiza o seu papel. Ao contrário, apostamos no “reencantamento do mundo”, no retorno do homo symbolicus(JUNG, 1982)como organizador das relações sociais e no equilíbrio entre razão e imaginação, entre biopsíquico e sociocultural. Essa noção e perspectiva metodológica de focar o corpus mitológico em relação aos ajuntamentos sociais e desenvolvimento individual, é extremamente fértil para o estudo do imaginário e da cultura em seu dinamismo e trajetividade.
Esclarecemos que para efetuar a análiseestaremossituando no primeiro momentoo contexto histórico da época, bem como alguns dados biográficos do Padre Rolime em seguida analisaremos as imagensque delimitamos como recorte.Contudo, temos como firme propósito, expor as próprias imagens descritas pelos historiadores, para em seguida penetrar no significado interno de cada uma.

2 O CONTEXTO HISTÓRICO, EDUCACIONAL E RELIGIOSO

O contexto mundial referente ao século XIX foi marcado por uma herança iluminista e obteve enormes transformações no plano político movidas pelas ideias, de autogoverno, de direitos individuais e da construção de uma sociedade de homens livres. Em seguida, surgiu o incremento do comércio e da indústria como uma nova realidade, que se sonhava e se lutava desde o Renascimento, a esperança de que o novo, o moderno, chegasse ao alcance do homem comum.A necessidade de instruir o homem, de torná-lo cidadão e de promover a investigação científica como meio de democratizar o progresso, foi uma das primeiras iniciativas a serem tomadas.
No Brasil, apesar das absorventes pelejas do seu povo, permaneciauma situação de dependência, ora de Portugal, ora da Inglaterra, ora dos Estados Unidos.No entanto, é possível perceber comoa educação foi um dos instrumentos para promover ou conservar essa vinculação, seja através da supressão, impedindo o acesso de grande parte dos brasileiros à escola; seja através do ensino desprovido da preocupação crítica. O que proporcionou o Brasil permanecerpor um bom tempo como um país essencialmente agrícola, mantendo inalteráveis os latifúndiosbem como as terras devolutas,o que favorecia o atraso e a inexistência de instituições seja no âmbito científico, seja no âmbito cultural, (PIRES, 1991).
Ao longo da história, é conhecido como a igreja católica e protestante elaborou estratégias de ação relacionando religião e educação. De forma sucinta estaremos prendendo-nos especificamente na influência da reforma protestante e da contra reforma na educação brasileira.
Quanto à reforma protestante, segundo (GOMES-DA-SILVA, 2003, p.57), “a educação era alvo das elaborações dos reformadores protestantes, foi com a reforma que os empobrecidos tiveram direito à educação e, portanto, acesso às informações necessárias para se posicionarem politicamente”.
No período da reforma protestante, já estava presente a relação da paróquia/escola, o que formava um complexo integrado e obrigatório. Onde se tinha uma paroquia se tinha um prédio de educação religiosa, predominava o interesse pela educação e pela transformação social. No Brasil várias igrejas foram construídas com esta estrutura, oferecendo aos seus fieis o ensino e formação cristã. Interessante que identificamos esta relação paróquia/escola, também com padre Rolim, quando construiu a escola e paróquia na fazenda Cajazeiras onde morava, embora que tenha se dedicado muito mais na educação.
O projeto educacional dos reformadores, portanto consistia em assumir a integralidade do homem (corpo-alma), pensava-se em uma escola para todos.Uma escola laica capaz de formar uma consciência crítica. Esta proposta se materializou com Lutero que favoreceu as implicações pedagógicas na política educacional quinhentista, vejamos:

Uma proposta que rompeu com a mentalidade católica, medieval, aristocrática e feudal, através de dois processos: primeiro, valorizando a língua nacional, a partir das traduções, publicações e criação de escolas; segundo, propondo um modelo educacional fora dos parâmetros escolásticos (Artes Liberais), utilizados para preparar os jovens candidatos à vida monástica.(GOMES-DA-SILVA, 2003, p.61)

Quanto aos Jesuítas no Brasil, encontramos nos registros históricos da educação brasileira, que durante um período de duzentos e dez anos eles se responsabilizaram pela educação e pela orientação religiosa a ser seguida, aperfeiçoando a sua prática de acordo com os interesses propostos.
Aos poucos os jesuítas foram penetrando nas aldeias indígenas, na senzala dos escravos, na casa-grande dos senhores de engenho, e procuravam orientar na fé e ensinar as primeiras letras adaptando as necessidades específicas de cada grupo que por ele passava. A perfeita organização, o cuidado na preparação de professores, os métodos de ensino aprender pouco mais bem aprendido, foram pilares fundamentais para o sucesso de sua atuação.
Porém, foi com a chegada da Família Real portuguesa, que veio alterar o quadro da educação em que o Brasil vivia. Com D. João VI a educação superior passou a ser preocupação do Estado. O conflito entre o Marquês de Pombal e os Jesuítas, atribuindo-lhes intenções de opor-se ao controle do governo português, favoreceu a expulsão dos Jesuítas em 1759, surgindo às reformas do Marquês de Pombal e sendo criadas as aulas régias de latim, grego e retórica.
O encargo da instrução passou a responsabilidade de capelães nomeados pelos bispos, porém, o imposto criado para ser aplicado na educação, já se mostrava insuficiente. No entanto, todas essas iniciativas educacionais visavam atender as necessidades da Corte. Vale salientar que a sociedade da corte estabelecida no Brasil possuía os mesmos requintes da Corte europeia, principalmente a francesa.
Entretanto, quando o Brasil ganha a sua independência de Portugal, momento de grande influência do Ideário da Revolução Francesa, mantiveram acesos os debates quanto à implantação de um programa de instrução popular para o Império recém-nascido, e em quinze de outubro de 1827, foi criada a lei que determinava a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugarejos e de escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas, sendo implantado o método lancasteriano.
Esta lei favoreceu o processo de educação na fazenda Cajazeiras, em período que padre Rolim, ao retornar do seminário, já como sacerdote, assume a paróquia construída por sua mãe na fazenda e vai dar inicio a sua escola, a casa/fazenda, apenas com seis alunos, que estaremos descrevendo com maiores detalhes no momento da análise.
É necessário registrar que, em 1867, “a população brasileira andava perto de nove milhões. E com esse contingente havia um milhão e duzentos mil indivíduos em idade escolar, dos quais apenas, 10°/° encontrava escola para instruir” (PIRES, 1991).
Nesse contextohistórico/educacional brasileiro, que descrevemos de forma sucinta, nasceu Padre Rolim,aos vinte e dois dias do mês de agosto do ano de 1800 no sítio serrote, hoje município de Cajazeiras-PB. Ele passou sua infância na primitiva Fazenda das Cajazeiras, ao lado dos irmãos mais velhos e os que vieram após ele. Desde muito cedo, demonstrava grande interesse pelas Letras. Aos dezesseis anos, já falava fluentemente o Francês e dedicava-se ao estudo do Grego e do Latim, o que levou Ana e Vital seus pais, a encaminharem a convite de Dona Bárbara de Alencar, o filho à cidade do Crato, no Ceará, onde permaneceu, por quatro ou cinco anos, fazendo os estudos preparatórios para o ingresso no Seminário.
 Padre Inácio de Sousa Rolim ingressou no Seminário de Olinda em três de setembro de 1822. O exercício do magistério, no seminário de Olinda, rendeu-lhe, alguns anos depois, o convite do Governador de Pernambuco para instalar a cadeira de Grego no Ginásio Pernambucano, quando teve oportunidade de realizar a edição da sua Gramática Grega, obra impressa no ano de 1856, em Paris. Padre Rolim veio a falecer no dia dezesseis de setembro de 1899, vitimado por uma astenia cardíaca senil.
 3 O CONJUNTO DAS IMAGENS
Estaremos respondendo nossa questão problema: qual será a imagem despertada por ocasião da convocação dos alunos para estudarem na escola e qual será a imaginação material Bachelard(2002), das imagens da escola/fazenda que teve início em 1829?
 A imagem despertada por ocasião da convocação dos alunos para estudarem na escola remete ao herói. Padre Rolimde forma destemida enfrenta vários obstáculos, um deles é o sol ardente, símboloespetacular do regime diurno, segundo (DURAND, 2001);o sol e seu isomorfismo entre céu e luminoso, entre a pureza celeste e brancura, prefigura fortemente o dourado com toda luminosidade e ardor.O calor não impede Padre Rolim de cavalgar sertão adentro em busca dos filhos dos fazendeiros circunvizinhos.
A distância do caminho a ser percorrido era outro obstáculo, o percurso era imenso, cavalgava quilômetros na estrada de forma solitária, até encontrar um povoado distante e lá fazer o seu chamado para a escola, com a intenção de conseguir um aluno. Um caminho que muitas vezes trazia empecilhos, perigos, e que não se sabia ao certo onde iria chegar, apenas que deveria seguir.
Outro obstáculo era o enfrentamento com a família dos fazendeiros, a resistência dos pais para liberar o filho era muito grande, o filho estava trabalhando no roçado, e para conseguir que o pai liberasse o seu filho, Padre Rolim usava de vários argumentos, vejamos o seu argumento com um dos fazendeiros: “Sr. Joaquim Arco Verde, se o homem não sabe ler, ele não existe”, (PIRES, 1991).Padre Rolim acreditava que a educação é o que salva o homem e que pelo conhecimento o homem existe plenamente, por isso buscava os filhos dos fazendeiros para educar, para instruir e esperava que o progresso, o desenvolvimento chegasse para Cajazeiras. Interessante que não encontramos registros de que ele relacionasse a educação à formação de sacerdote, embora dentre seus alunos, tenha saído como sacerdote, como é o caso de Padre Cícero de Juazeiro-CE.
Encontramos registro de que padre Rolim em sua jornada ao encontrar os lugarejos, batia de casa em casa buscando seus alunos, fazendo apossível saudação devida, como relata o historiador Celso Mariz, (PIRES, 1991). É comum na cultura sertaneja, como forma de saudação pronunciar: “louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo”, saudação típica do nordestino, aguardando a resposta: “para sempre seja louvado”. O silencio permeava, emseguida descia do cavalo e sentava para conversar.
Padre Rolim, vestido com sua indumentária sacerdotal, de cor preta, montado em cima do cavalo com sua capa em forma de mantoo que remete a um atributo real,manto de majestade cobrindo e protegendo o seu corpo, aparecia. Entregar seu manto é dar-se a si mesmo, Elias fez isso com Eliseu conforme registro bíblico no antigo testamento da Bíblia Sagrada, e padre Rolim procurava os alunos, para dar em troca o mantodo conhecimento que recebera, pois era douto no saber, um poliglota como registra os historiadores, assim, procurava passar o manto do conhecimento para estes filhos dos fazendeiros, preparando-os.
O chapéu preto típico para a época e local,protegendo a cabeça do sol que ardia com o calor do dia e pela longa estrada pecorrida, parecia corresponder a uma coroa,ao signo do poder, da soberania.  “Em sua qualidade de peça que cobre a cabeça do chefe,simboliza também a cabeça e o pensamento” nos afirma. (CHEVALIER,GHEERBRANT,2002, p.232). 
Assim, em meio à poeira cinzenta da estrada, sendo conduzido pelo ímpeto da corrida, galopada às cegas,aparecia montado em cima de um cavalo, prefigurando um simbolismo de poder e pureza, autoridade e temor. Era o próprio cavaleiro, o soberano, defensor do seu território, do seu tesouro intelectual, de suas próprias visões de mundo, que traçava um verdadeiro combate com a família dos fazendeiros para que liberassem um filho apenas para estudar, assimproferia a segunda pergunta: “sei que o senhor tem filho em tempo de escola”,como relata o historiador Celso Mariz, (PIRES, 1991) interessante é que ele afirmava, sei que tem, a sua determinação em educar era o que fazia enfrentar os obstáculos na caminhada. E assim fez, dando início à escola apenas com apenas seis alunos.
O alistamento feito por padre Rolim, buscando seus primeiros alunos, permitiu que o prédio fosse aumentando com a matrícula de novos alunos, (PIRES, 1991): “A sua casa de ensino se fazia à proporção que chegavam os novos discípulos. Cada aluno esperava por seu teto, embora já encontrasse o seu livro”.
Foram inúmeros os alunos que passaram pela escola do Padre Rolim, dentre eles, figuras ilustres como: Padre Cícero Romão Batista; Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, o Cardeal Arcoverde; José Peregrino de Araújo , Governador da Paraíba, Deputado Estadual/RN e Deputado Federal/PB; João Gualberto Gomes de Sá , Deputado Provincial e Juiz de Direito; Leonardo Salgado Guarita , advogado, promotor e Desembargador do Tribunal de Apelações do Rio Grande do Sul; Padre Manoel Mariano de Albuquerque, entre dezenas de outros alunos que se projetaram nos cenários políticos, cultural e social do país.
Percebemos que todo ato guerreiro de Padre Rolim ao enfrentar a aridez do sertão nordestino, os fazendeiros, os alunos para sua escola, o desafio de assumir todo o processo educativo em forma de internato, iniciando apenas com seis alunos, na serraria da fazenda em que habitava, garantindo a comida, a dormida e o estudo, por um lado remete ao herói, ao enfrentar as adversidades, aopreparar o sertanejo para desenvolver a fazenda de cajás que aos poucos vai criando sua autonomia e espaço se emancipando e tornando-se a cidade de Cajazeiras no sertão nordestino, local de referência, de busca pelo saber, “a escola de padre Rolim”.
Assim o simbolismo ascensional, em marcha, montado em cima do cavalo, em pé ensinando aos seus alunos, se coloca como a reconquista de uma potência perdida. Reconquista pela ascensão do mestre que se coloca para ensinar, preparar homens. A jornada exige o herói, o guerreiro que tem armas, no entanto, estas armas do herói são os símbolos do conhecimento, do saber.
 Às margens do rio de água cristalina, que escorria para frente seus filetes atravessando a fazenda, abrindo um caminho refrescante, foi construída, no ano de 1804, uma casa conhecida como “A Casa Grande da Fazenda”. Este espaço aconchegante, cheio do frescor da brisa que permeava, era convidativo para nele se alojar e desfrutar com seus deleites que a terra produzia, tanto é quefoi habitada pelos pais de Padre Rolim quando vieram se estabelecer nesta região oferecendo a princípio o trabalho da atividade agropastoril, local que o padre viveu a sua infância e sua mãe construiu uma pequena paróquia, no período em que ele se encontrava no seminário.
 Ao retornar do seminário, Padre Rolim, embora tenha assumido a paróquia na fazenda ele avança e toma a iniciativa pioneira na cronologia dos estabelecimentos de ensino no sertão nordestino, proporcionando a abertura de uma escola, nesse espaço mágico por natureza, a fazenda dos seus pais em 1829. Assim, dava início às atividades da escolinha da Serraria (local onde se serrava a madeira usada nas construções das casas), uma casa pequena que abrigava meia dúzia de estudantes - embrião do colégio - que, mal grado a modéstia de suas instalações, ia crescendo em número de alunos dado o alto nível do ensino que habitava seus discípulos a ingressarem no curso superior.
A casa/ fazenda, remete aos símbolos da intimidade do regime noturno como nos afirma Durand (2001),ao útero, lugar de aconchego, de acolhimento, local de refugio, pois os filhos dos fazendeiros haviam se retirado da sua casa de origem para irem passar boa parte do seu tempo em forma de internato, exclusivamente nesta casa/fazenda, onde recebia o alimento, a dormida, o saber.  Esta escola, que começou com seis alunos possuía uma programação rigorosa a ser cumprida iniciando com o despertar às cinco da manhã.
Durante todo o dia existia atividades para seremrealizadas devidamente para cada horário estabelecido (PIRES, 1991), os alunos amanheciam tendo como primeira missão após a higiene pessoal e o café da manha, preparar a missa, em seguida, uma série de metas deveriam ser cumpridas terminando por volta das vinte horas da noite.
Na programação da escola, havia uma conferência semanal, todas as sextas-feiras que denominava de “quilo”. Consistia em uma palestra entre o padre/educador e os alunos. Padre Rolim sentava-se na tribuna, no centro, local do chefe, o que remete ao símbolo ascensional, e os alunos silenciosos e atentos tomavam os seus lugares nos banquinhos feitos de tijolos o redor.
O padre/educador procedia à leitura de trechos escolhidos e fazia as admoestações necessárias à vida colegial. O quilo durava uma hora e meia.Nesta casa/saber prefiguravao candeeiro do conhecimento que deveria permanecer aceso com esta luz do saber que se desvelava a cada conhecimento adquirido, formando discípulos e homens doutos no conhecimento.
A precariedade das instalações da escola não era a principio uma preocupação para o Padre Rolim, a casa/saber era que importava, cada aluno tinha o seu livro, o seu material de estudo e recebia o necessário para sua sobrevivência, o seu único desejo era transmitir o conhecimento a seus parentes e a outros jovens filhos dos fazendeiros.
Só em 1836, quando se apercebeu da repercussão que sua obra ia alcançando em todo sertão e nordeste brasileiro, é que se dispôs a transferi-la, para um prédio de alvenaria que, embora de pequenas proporções, melhor se adaptava às atividades a que se destinava. Depois transforma em um colégio, era o primeiro colégio da Paraíba no ano de 1843, o colégio Salesiano.
Em torno do colégio, foi crescendo o povoado, com grande crescimento. A Fazenda das Cajazeiras passou de simples povoado à condição de Vila, sede de comarca e depois cidade. Por isso Padre Rolim é considerado o fundador de Cajazeiras, pois foi a sua obra que alavancou o surgimento da cidade. Tal fato levou a criação da frase: “Cajazeiras, a cidade que ensinou a Paraíba a ler" (PIRES, 1991).
Em 1843, a atividade do Padre Rolim já repercutia em quase toda região sertaneja e municípios circunvizinhos, nas províncias de Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco, expandindo-se por todo o nordeste brasileiro levando-o a transformar seu estabelecimento de ensino em colégio de instrução secundária de forma que começou a atrair vários estudantes, como exemplo o Padre Cícero, do Juazeiro do Norte.
Na década de sessenta, o colégio atingiu a sua fase culminante. Em 1862, o colégio funcionava com três aulas (latim, francês e geografia), frequentando oitenta e cinco alunos. No entanto, depois de quarenta e oito anos de funcionamento aconteceu o fechamento do colégio em 1877, devido a forte seca que atingia toda região, como também a epidemia da cóleraque vitimou grande parte da população como registra os historiadores, o Mestre Rolim, o destemido, o padre/educador iniciou uma fase de decadência, vitimado pela tristeza de não mais poder manter seu colégio como antes, mas permaneceu na cidade até a sua morte.
CONSIDERAÇÕES

Respondendo nossa questão problema, consideramos que a imaginação material despertada sobre o conjunto das imagens referente à convocação dos alunos para estudarem na escola e sobre as imagens da escola/fazenda que teve início em 1829 remete a estrutura mística, até porque entendemos que a palavra mística não se trata do sentido religioso, e sim, é tomada no seu significado mais comum de vontade, de união, do gosto pela secreta intimidade da qual Padre Rolim desenvolve em seu percurso histórico e atividade exercida tanto na educação, no sacerdócio quanto no papel de pesquisador, estudioso da história natural e das diversas letras das quais estudou tornando-se poliglota.
A estrutura mística do imaginário, diante da angústia existencial e da morte, do caos, de perceber uma grande fazenda, precisando ser povoada, explorada, faz com que padre Rolim, negue as dificuldades e busque um mundo em harmonia preparando alunos para se tornarem homens doutos no saber de forma que desenvolvam o vilarejo e o torne em cidade, assim acontece aos poucos o vilarejo tornou-se a Cidade de Cajazeiras-PB, ou seja, um mundo em harmonia baseado no aconchego e na intimidade (de si, e das coisas), no aconchego religioso e intelectual, no aconchego da casa/saber.
A imaginação material de Padre Rolim remete ao ideário do homo faber, da casa oficina, da casa escola como lugar do construtor, da escola como o sonho do projetista, do arquiteto, a escola das mãos. Remete a uma ideia de educação que está surgindo na modernidade com grande vitalidade. Não a escola do acúmulo e esquecimento de conteúdos, mas a escola da visão ampliada, dos projetos, do fazer, do construir. Muito nitidamente seus alunos mais ilustres foram importantes projetistas sociais, articuladores comunitários, artesãos, artífices do ajuntamento político, religioso, da regulação social na jurisprudência.
A velha oficina remete à marca inspiradora da educação do fazer, da educação da mão na massa, no lápis da história, no martelo. A escola forja, da bigorna e do malho. Uma pedagogia de Efestus? Padre Rolim um herói dos trânsitos de informação prática, dos negócios de vidas (levar as crianças, convencer os pais para educá-las, tirar de suas casas para a casa oficina, a escola rodeada de ferramentas, de lembranças do suor do artesão, do labor das mãos.). Rolim um Hermes? Talvez Hermes seja o deus que agregue a ideia do herói com a mística do informar, conduzir diálogos, confiar conhecimento, agregar sonhos, permitir a procriação de novos conteúdos e sonhos.
A Fazenda dos pais é o cosmos de Rolim? Seu sonho cosmogônico de fundar vida nova, de arquitetar uma cidade de conhecimento? Rolim e sua cosmogonia educacional? A Fazenda agrega toda a vida, é o centro do mundo do sertanejo. Desde as fontes e poços, os animais, as plantas, até a casa, o Pai, a Mãe. O cosmos é o sonho educacional de Rolim. A fazenda, a escola oficina velha. Um artífice de almas.
Acreditamos que esta inspiração da velha oficina que ficou escola é núcleo, cerne imaginal que percorreu e afundou o sonho de Rolim no tráfego da imaginação material aos símbolos mais antigos do homem construtor, do trabalhador que cria o mundo, do demiurgo das obras do mundo. 
Enfim, imaginar é criar o mundo, é criar o universo, seja através das artes, através das ciências, ou através dos pequenos atos, profundamente significativos, ele imaginou e criou uma escola, uma casa/saber, um candieiro aceso pela luz do conhecimento.

REFERÊNCIAS


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