quarta-feira, 28 de outubro de 2015

João Rodrigues Alves - O calunga de ca­minhão

João Rodrigues Alves - O calunga de ca­minhão. Nasceu em Serra Negra - RN, no dia 5 de julho de 1912 e registrou-se alguns anos de­pois na cidade de Areia - PB. Na certidão de nascimento consta apenas o nome de sua mãe dona Tereza da Conceição. Aliás, ele sempre di­zia, sem constrangimento, ser filho de lavadei­ra e de pai ignorado. Orgulhava-se de não ter frequentado escolas e de ter começado a traba­lhar aos 12 anos de idade, como calunga de caminhão. Ao atingir a maior idade, adquiriu carteira de habilitação de motorista profissio­nal. Daí por diante avançou na vida.
Conheci-o em 1934, trabalhando em um caminhão (caçamba de madeira) de sua proprie­dade, transportando material (pedra e barro) para a construção do açude de Boqueirão de Piranhas, onde morava com a esposa (recém- casados) na casa de número 09, da rua princi­pal, (a mesma onde nasceu o senador Raimun­do Lira). Naquela época - 1934, eu tinha 11 anos e já trabalhava ajudando o mano Toinho (três anos mais velho) a vender leite da vacaria de meu pai. Dessa fase, dois episódios ficaram guardados na minha lembrança. O afago que Dona Mocinha (esposa de João Rodrigues) dispensava a seus leiteiros e uma pedra em formato de pepino, medindo uns 20 centímetros e pesando cerca de um quilo, de cor esverdeada e bem polida, usada para escorar a porta da frente. Atraído pela sua beleza natural', não hesitei em perguntar a uma garota da casa, que aparentava ter a minha idade e que ajudava a dona Mocinha nos afazeres domésticos, que pedra era aquela tão bonita! Respondeu-me que era um corisco e eu acreditei
Com o fim da construção do açude, em setembro de 1937, João Rodrigues passou a residir em Cajazeiras, levando suas economias, fruto de seu trabalho, suficiente para comprar um caminhão novo, com boleia larga, confeccionada em madeira, adaptada para carregar passageiros e passou a transportar, principalmente, algodão em pluma dos maquinismos de Galdino Pires, em Cajazeiras e Antônio Gomes Barbosa, de São José de Piranhas, para Campina Grande, sempre com a boleia lotada de comerciantes que aproveitavam a viagem para fazer suas compras e transportá-las aproveitando a volta do mesmo caminhão. Mas ele não só servia transportando a mercadoria como também fazia o papel de cicerone para muitos desses comerciantes, e mais precisamente àqueles que viajavam pela primeira vez, e ainda servia de  avalista, no ato de eventual compra feita a prazo.
Quando cheguei a Cajazeiras, no ano de 1958, como fiscal de rendas, João Rodrigues já era considerado como um dos principais empresários da cidade, e quiçá, da região. Possuía uma frota composta de vários caminhões e alguns ônibus, servindo para transportar cargas, de modo geral, inclusive combustíveis e também passageiros para Campina Grande. O ônibus que fazia essa linha era conhecido como “a sopa de Seu João". Apesar de ter tido uma infância difícil, João Rodrigues tornou-se um empresário próspero. Além dos bens acima citados, era proprietário de uma grande casa de peças e pneus, ainda tinha instalado na principal rua, um posto com bombas de gasolina e óleo.
Foi o pioneiro da linha de ônibus com itinerário registrado (na década de cinquenta) de Cajazeiras - Campina Grande, denominada de Viação Andorinha, estendendo-se mais tarde até João Pessoa e Recife, e na proporção que desenvolvia seu plano de expansão ia também interligando Cajazeiras com novas linhas, a várias outras cidades paraibanas, inclusive adquiriu e incorporou ás empresas já existentes, outra empresa, denominada de Viação Princesa do Seridó, com sua expressiva frota, cuja linha tinha o percurso de Natal (RN) via Caicó-Cajazeiras. Esta passou a ser administrada pelo filho Zezinho. Aliás, Zezinho e Paulo, ainda adolescentes, foram os únicos filhos integrados como sócios na firma do pai e com ele trabalharam até a sua transferência para a Eternidade, enquanto as filhas estudavam nos melhores colégios do Estado, desfrutando o máximo de conforto que um pai rico podia oferecer.
Aqui abro espaço para descrever um pouco seu perfil, inclusive fazer algumas considerações sobre sua pessoa e seu comportamento:
Ele era uma pessoa extrovertida; orgulhava-se de tudo que fez e de tudo que foi na vida; não gostava de bajular e nem de ser bajulado. Também não gostava de etiqueta nem de protocolo; não tolerava exibicionismo. Tanto assim que quando alguém o procurava, mesmo para tratar de assuntos comercias, trajando terno e gravata, ele perguntava em tom de ironia, se era vendedor de livros ou pastor protestante, e para surpresa do excêntrico visitante justificava-se dizendo que não sabia ler e nem entendia de religião. Era avesso ao diálogo. Suas decisões eram tomadas de rápido improviso. Detestava vagabundagem. Para ele todo mundo era obrigado a trabalhar para ter condições de garantir, no mínimo, sua própria sobrevivência. pensava assim, talvez, pela sua condição de homem pouco letrado - todavia de visão empreendedora.
Em nenhum momento ele se distanciou de seus negócios - fosse trabalhando, viajando ou se divertindo. Sabia como ninguém aproveitar todos os momentos que a vida lhe oferecia. Era questão dele, se fazer presente a todas as solenidades - fosse cívica, religiosa, social ou política. Nas quermesses, por exemplo, ele não só comparecia, como animava os leilões, extrapolando os preços dos brindes leiloados, para atormentar os que tinham pena de gastar. Sua contribuição, de modo geral, era espontânea e significativa.
Cajazeiras conhecida como cidade hospitaleira acolhia a maior parte dos viajantes que fazia a praça da redondeza, e o principal motivo era o papo de Seu João. Fosse nas calçadas, nos bares, nos restaurantes, nas boates, nos clubes sociais ou mesmo em seus estabelecimentos comerciais ele se apresentava como um autêntico recepcionista, e ainda fazia o papel de guia turístico da cidade.

Para finalizar, gostaria de dizer que a Bíblia nos ensina que na face da terra ninguém se perpetua e nós sabemos que tudo é passageiro. E para quem está vivo o encontro com a morte pode acontecer a qualquer momento. Cedo, João Rodrigues foi arrebatado do convívio da família e de Cajazeiras, quando completava 65 anos de idade, no auge de seus negócios, inclusive era o diretor comercial da Concessionária Volkswagen, lá mesmo em Cajazeiras, da qual era sócio com 50% do capital integralizado e, ainda deixando para a família um invejável patrimônio e exercia o mandato de vice-prefeito constitucional da terra que ensinou a Paraíba a ler. Era casado com Dona Maria Mendes Rodrigues, cuja prole é composta dos seguintes filhos: José (Zezinho), Paulo, Roberto, Tereza, Elisete, Vanda, Maria, Francisca e Zélia.


Excerto da obra "Retalhos de Vida" de Pedro Lins de Oliveira, pags. 109-114
CAPÍTULO  - X

terça-feira, 27 de outubro de 2015

TROTES BRASILIANOS do livro “Além do Feijão com Arroz”

"Nem Pedro Pio nem Paulo Trajano me alertaram sobre os trotes nos novatos. E são muitos. Logo na primeira hora do expediente, me disseram que teria que conferir as somas dos balanços das fichas cadastrais. Havia uma diferença de alguns cruzeiros entre a soma total e o balanceie do banco. Na época, não havia qualquer mecanização. Todas as operações de crédito rural eram registradas em fichas — mais de três mil delas. Depois de revelar que era gozação, pediram que eu comprasse no comercio local uma “máquina de achar diferença” e, na única livraria da cidade, pedira CIC, os livrões com a Codificação das Instruções Circulares tio banco. O dono da livraria se prestou a participar da brincadeira. “Hoje estamos em falta, mas você encontra em Sousa”, uma cidade vizinha.
Outro trote era muito mais torturante. Já nas primeiras horas, meus colegas disseram que, sendo o novato, eu deveria pagar jacaré de coco para todos no intervalo das 10 às 10,15. No semiárido tem jacaré?, estranhei. Mas era outra  a questão que afligia: eu não tinha dinheiro. Nem comigo e nem guardado. Como é que pagaria o tal jacaré para todos os mais de trinta funcionários? Cada vez que davam um tapinha em meu ombro e avisavam, tentava sorrir. Não sabia o que fazer  tinha vergonha de dizer que não poderia pagar. Saía um meio sorriso, com cara de deus-me-acuda.
No intervalo, enquanto os funcionários tomavam café, fumavam seus cigarros, puxavam papo, eu só pensava no tenebroso jacaré. A iguaria do vendedor ambulante, pão doce em forma do bicho, coberto de coco amarelo me apavorou. Ainda que confeitado, era um réptil de sangue-frio, quase sangue de barata. Meus colegas se empanturravam, pediam permissão para repetir. “É... claro...”. No final das contas (e que contas!), cada um pagou o seu. Não sem antes me torturarem até onde podiam".
 Maílson da Nóbrega - “Além do Feijão com Arroz”
Pag. 80/81

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

domingo, 18 de outubro de 2015

Vou embora. Não posso aceitar isso, em nome da minha dignidade

Extraído do Livro ""Do golpe ao Planalto - uma vida de repórter".
Ricardo Kostcho
Pág. 225
(...)
O único problema mais que tivemos no relacionamento coma imprensa ao longo da campanha aconteceu por culpa minha. Lula já havia mantido encontros e participado de almoços com os dirigentes dos principais meios de comunicação, mas resistia a atender ao convite da Folha para o tradicional almoço com os diretores, editores e repórteres especiais. Quase toda semana, “seu” Frias o alguém a seu pedido repetia o convite, que eu voltava a levar a Lula. Este alegava que noutras ocasiões tinha ficado contrariado com a maneira pouco cortês como fora tratado no jornal. Tanto insisti, que ele acabou me autorizando a marcar o almoço. Impôs, no entanto, que o número de participantes fosse reduzido, para que pudesse conversar melhor com o “seu” Frias.
Em razão de algum mal-estar ocorrido em almoços anteriores., dos quais não participei, o clima já não pareceu muito amigável desde o momento em que “seu” Frias recebeu Lula e José Alencar. Otavio Frias Filho ficou calado, enquanto Lula não parava de falar de seus planos para o país e da importância de ter um vice como Alencar. Assim que os comensais sentaram à mesa, Frias Filho disparou a primeira pergunta: Se Lula se sentia em condições de governar o país, mesmo sem ter se preparado paara isso, não sabendo nem falar inglês. O candidato fez uma expressão de incredulidade,  olhou para mim como quem diz: ‘E eu tinha que ouvir isso?’, engoliu em seco e deu uma resposta até tranqüila diante daquela situação constrangedora.
Como se tivesse sido ensaiadas as perguntas seguiram no mesmo tom hostil ao convidado até que, já quase na hora em que seria servida a sobremesa, alguém quis saber como ele se sentia ao aceitar uma aliança com Paulo Maluf. O argumento era que, se o PL apoiava Maluf na eleição pra governador de São Paulo, o candidato do PT a presidente também estaria se aliando ao político que mais combatera durante toda a história do partido. Não havia, porém, nenhuma aliança em São Paulo entre o PP e  o PT, que disputava a mesma eleição tendo como candidato o deputado federal José Genoíno. Foi a gota d’água. Lula não respondeu; levantou-se, dirigiu-se a “seu” Frias e comunicou: ‘O senhor me desculpe, mas eu não posso mais ficar aqui. Vou embora. Não posso aceitar isso, em nome da minha dignidade’.
Ficou todo mundo paralisado. “seu” Frias levantou-se também. Antes de sair, Lula ainda disse a Otavinho, o único que permaneceu na sala: ‘Eu não tenho culpa se você está nervoso porque o teu candidato vai mal nas pesquisas’. Para ele a Folha estava apoiando José Serra. Pegando no braço do candidato, “seu” Frias o acompanhou até o elevador e depois até o carro, no estacionamento, com os outros todos caminhando atrás. ‘ Nunca tinha acontecido isso antes na nossa casa’, lamentou.
Dados Técnicos: Do golpe ao Planalto - Ricardo Kotscho Cia das Letras - 2006 368 Páginas