Tinha vontade de conhecer Zé Limeira, o poeta do absurdo, nada de achar o livro fora de catálogo, um amigo chegou a me dar um de presente de aniversário um livro do Patativa. Demorou até achar um sebo de Recife. Hoje com a internet esmaeceram as dificuldades, mas... Eis a razão de mais este blog. A disponibilização de livros, em especial da historiografia do alto sertão paraibano e mais ainda da microrregião de Cajazeiras. Espero colaborações, enviar pelo e-mail claudiomar.rolim@uol.com.br
domingo, 27 de dezembro de 2015
sábado, 26 de dezembro de 2015
terça-feira, 8 de dezembro de 2015
A MEDIUNIDADE DE FORTES
Em uma dessas viagens a Minas Gerais, Chateaubriand testemunhou um estranho fenômeno que o marcaria pelo resto da vida. Como sempre que ia a Belo Horizonte, deixou a mala e hotel e dirigiu-se ao prédio onde funcionavam os dois jornais. Reuniu-se com os seus diretores, conversou, deu ordens e quando eram dez horas da noite retirou-se para o hotel. Como o motivo de sua visita à cidade era uma elegante festa de grã finos no clube local, vestiu um fraque e tirou a cartola da caixa de papelão e sentou-se em uma escrivaninha para escrever, sempre a lápis, o artigo que seria publicado tem todos os seus jornais. Com a expansão da rede, em cada cidade onde havia um jornal seu foi preciso arranjar um linotipista que conseguisse interpreta os garranchos do patrão a fim decompor em chumbo os artigos que ele e assim era também em Belo Horizonte. Juntou o maço de papéis tomou um táxi na porta do hotel e a caminho da festa, deixou na portaria do jornal para ser composto.
Já era alta madrugada quando voltou ao quarto de hotel. Ao tirar o paletó do fraque, percebeu que um amontoado de folhas manuscritas — mais de um terço do artigo — tinha ficado no bolso interno da roupa. Irritado foi dormir certo de que no dia seguinte os jornais não publicariam seu artigo.
Acordou cedo e pediu que um estafeta do hotel comprasse na banca mais próxima um exemplar do Estado de Minas. Perplexo, percebeu que o artigo tinha sido publicado — e que alguém tinha cometido a ousadia de preencher, por sua conta, o buraco que ficara no meio do texto. Vestiu-se e correu para o jornal, aonde chegou tomado de fúria. Berrava palavrões pela redação, dizendo que um atrevimento como aquele era inadmissível. Ou o responsável aparecia ou ele demitia toda a direção. O cristo apareceu horas depois, era José de Souza Fortes, um jovem franzino responsável pela revisão das provas tipográficas de seus artigos, não importava onde tivessem sido escritos. Quando o rapaz, aterrorizado entrou na sala, Chateaubriand deu um murro tão violento sobre a mesa que derrubou no chão várias xícaras de café:
— O senhor é um filho da puta, um atrevido. Como é que o senhor se arvora o direito de escrever um pedaço de artigo que seria assinado por mim?
O jovem gaguejava:
— Mas doutor Assis, minha intenção...
Intenção é a puta que o pariu! Nos meus jornais só eu posso ter intenções|
— Mas doutor Assis, diariamente sou eu quem revisa seus artigos, eu apreendi o seu jeito de escrever, seu estilo, suas ideias. Eu não fiz isso por mal...
Por bem ou por mal, o senhor pode arranjar outro emprego. Está despedido.
Estudante pobre de medicina que dependia do salário para viver em Belo Horizonte, no dia seguinte, Fortes já estava empregado, mas vendedor de frutas no mercado no municipal. E foi lá, atrás de uma banca de verduras que ele foi localizado por Amarildo Bandeira de Melo chefe de revisão dos Associados em Minas.
- Vamos voltar ao jornal que o doutor Assis quer falar com você.
Não volto por dinheiro nenhum, ele me insultou, me humilhou, não tenho nada a conversar com esse nortista grosso. O que ele quer comigo insultar minha mãe outra vez? Não volto, seu Amarildo. Prefiro vender frutas ou ficar desempregado e voltar para Viçosa, mas aquele sujeito não me vê' mais.
Ainda insistiu:
- Você tem que voltar. Ele quer lhe pedir desculpas pela cena de ontem pode voltar que o homem está manso.
Voltaram juntos à redação. Chateaubriand estava de suspensórios, com as mangas da camisa arregaçadas. Na mão direita tinha o artigo já impresso e na esquerda as folhas que havia esquecido no bolso do fraque. Com um sorriso no rosto, abraçou o amedrontado revisor:
- Estou muito arrependido pelo que fiz com você ontem. Chamei-o aqui para pedir-lhe desculpas, mas principalmente para mostrar-lhe uma coisa inacreditável. Sente-se aqui, meu filho, e compare esses originais com o trecho o senhor completou.
José Fortes leu os rabisco, sem entender quase nada do que estava escrito e passou os olhos sobre os parágrafos que escrevera. Chateaubriand interrompeu-o:
Viu o texto que o senhor escreveu é exatamente igual, palavra por palavra, vírgula por vírgula, exatamente igual ao que eu tinha escrito.
Mas o rapaz constrangido:
- Mas foi isto que eu tentei explicar ao senhor ontem, Quem é obrigado a ler os seus artigos de um mesmo autor acaba pegando o estilo dele.
- Nada disso, meu filho, senhor só pode ter psicografado meu texto. Eu não tenho fé, não acredito em nada, mas sou obrigado a reconhecer que o senhor tem capacidades mediúnicas fortíssimas. Quanto é senhor ganha?
- No Estado de Minas trezentos mil-réis por mês, e no Diário da Tarde duzentos mil-réis.
- Pois então o senhor está readmitido com o salário dobrado. Vai ganhar seiscentos mil-réis no Estado e quatrocentos no Diário da Tarde.
Chateaubriand não imagina, naquele dia, que os inexplicáveis poderes paranormais de Fortes o acompanharia até a sepultura muitos anos depois.
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
João Rodrigues Alves - O calunga de caminhão
João Rodrigues Alves - O
calunga de caminhão. Nasceu em Serra Negra - RN, no dia 5 de julho de
1912 e registrou-se alguns anos depois na cidade de Areia - PB. Na certidão de
nascimento consta apenas o nome de sua mãe dona Tereza da Conceição. Aliás, ele
sempre dizia, sem constrangimento, ser filho de lavadeira e de pai
ignorado. Orgulhava-se de não ter frequentado escolas e de ter começado
a trabalhar aos 12 anos de idade, como calunga de caminhão. Ao atingir a maior
idade, adquiriu carteira de habilitação de motorista profissional. Daí
por diante avançou na vida.
Conheci-o em 1934, trabalhando
em um caminhão (caçamba de madeira) de sua propriedade, transportando
material (pedra e barro) para a construção do açude de Boqueirão de Piranhas,
onde morava com a esposa (recém- casados) na casa de número 09, da rua
principal, (a mesma onde nasceu o senador Raimundo Lira). Naquela
época - 1934, eu tinha 11 anos e já trabalhava ajudando o mano Toinho (três
anos mais velho) a vender leite da vacaria de meu pai. Dessa fase, dois
episódios ficaram guardados na minha lembrança. O afago que Dona Mocinha
(esposa de João Rodrigues) dispensava a seus leiteiros e uma pedra em formato
de pepino, medindo uns 20 centímetros e pesando cerca de um quilo, de cor
esverdeada e bem polida, usada para escorar a porta da frente. Atraído pela sua
beleza natural', não hesitei em perguntar a uma garota da casa, que aparentava
ter a minha idade e que ajudava a dona Mocinha nos afazeres domésticos, que
pedra era aquela tão bonita! Respondeu-me que era um corisco e eu acreditei
Com o fim da construção do
açude, em setembro de 1937, João Rodrigues passou a residir em Cajazeiras,
levando suas economias, fruto de seu trabalho, suficiente para comprar um
caminhão novo, com boleia larga, confeccionada em madeira, adaptada para
carregar passageiros e passou a transportar, principalmente, algodão em pluma
dos maquinismos de Galdino Pires, em Cajazeiras e Antônio Gomes Barbosa, de São
José de Piranhas, para Campina Grande, sempre com a boleia lotada de
comerciantes que aproveitavam a viagem para fazer suas compras e transportá-las
aproveitando a volta do mesmo caminhão. Mas ele não só servia transportando a
mercadoria como também fazia o papel de cicerone para muitos desses comerciantes,
e mais precisamente àqueles que viajavam pela primeira vez, e ainda servia de avalista, no ato de eventual compra feita a
prazo.
Quando cheguei a Cajazeiras, no
ano de 1958, como fiscal de rendas, João Rodrigues já era considerado como um
dos principais empresários da cidade, e quiçá, da região. Possuía uma frota
composta de vários caminhões e alguns ônibus, servindo para transportar cargas,
de modo geral, inclusive combustíveis e também passageiros para Campina Grande.
O ônibus que fazia essa linha era conhecido como “a sopa de Seu João".
Apesar de ter tido uma infância difícil, João Rodrigues tornou-se um empresário
próspero. Além dos bens acima citados, era proprietário de uma grande casa de
peças e pneus, ainda tinha instalado na principal rua, um posto com bombas de
gasolina e óleo.
Foi o pioneiro da linha de
ônibus com itinerário registrado (na década de cinquenta) de Cajazeiras -
Campina Grande, denominada de Viação Andorinha, estendendo-se mais tarde até
João Pessoa e Recife, e na proporção que desenvolvia seu plano de expansão ia
também interligando Cajazeiras com novas linhas, a várias outras cidades
paraibanas, inclusive adquiriu e incorporou ás empresas já existentes, outra
empresa, denominada de Viação Princesa do Seridó, com sua expressiva frota,
cuja linha tinha o percurso de Natal (RN) via Caicó-Cajazeiras. Esta passou a
ser administrada pelo filho Zezinho. Aliás, Zezinho e Paulo, ainda
adolescentes, foram os únicos filhos integrados como sócios na firma do pai e
com ele trabalharam até a sua transferência para a Eternidade, enquanto as
filhas estudavam nos melhores colégios do Estado, desfrutando o máximo de
conforto que um pai rico podia oferecer.
Aqui abro espaço para descrever
um pouco seu perfil, inclusive fazer algumas considerações sobre sua pessoa e
seu comportamento:
Ele era uma pessoa
extrovertida; orgulhava-se de tudo que fez e de tudo que foi na vida; não
gostava de bajular e nem de ser bajulado. Também não gostava de etiqueta nem de
protocolo; não tolerava exibicionismo. Tanto assim que quando alguém o
procurava, mesmo para tratar de assuntos comercias, trajando terno e gravata,
ele perguntava em tom de ironia, se era vendedor de livros ou pastor
protestante, e para surpresa do excêntrico visitante justificava-se dizendo que
não sabia ler e nem entendia de religião. Era avesso ao diálogo. Suas decisões
eram tomadas de rápido improviso. Detestava vagabundagem. Para ele todo mundo
era obrigado a trabalhar para ter condições de garantir, no mínimo, sua própria
sobrevivência. pensava assim, talvez, pela sua condição de homem pouco letrado
- todavia de visão empreendedora.
Em nenhum momento ele se
distanciou de seus negócios - fosse trabalhando, viajando ou se divertindo.
Sabia como ninguém aproveitar todos os momentos que a vida lhe oferecia. Era
questão dele, se fazer presente a todas as solenidades - fosse cívica,
religiosa, social ou política. Nas quermesses, por exemplo, ele não só
comparecia, como animava os leilões, extrapolando os preços dos brindes
leiloados, para atormentar os que tinham pena de gastar. Sua contribuição, de
modo geral, era espontânea e significativa.
Cajazeiras conhecida como
cidade hospitaleira acolhia a maior parte dos viajantes que fazia a praça da
redondeza, e o principal motivo era o papo de Seu João. Fosse nas calçadas, nos
bares, nos restaurantes, nas boates, nos clubes sociais ou mesmo em seus
estabelecimentos comerciais ele se apresentava como um autêntico recepcionista,
e ainda fazia o papel de guia turístico da cidade.
Para finalizar, gostaria de
dizer que a Bíblia nos ensina que na face da terra ninguém se perpetua e nós
sabemos que tudo é passageiro. E para quem está vivo o encontro com a morte
pode acontecer a qualquer momento. Cedo, João Rodrigues foi arrebatado do
convívio da família e de Cajazeiras, quando completava 65 anos de idade, no
auge de seus negócios, inclusive era o diretor comercial da Concessionária
Volkswagen, lá mesmo em Cajazeiras, da qual era sócio com 50% do capital
integralizado e, ainda deixando para a família um invejável patrimônio e
exercia o mandato de vice-prefeito constitucional da terra que ensinou a
Paraíba a ler. Era casado com Dona Maria Mendes Rodrigues, cuja prole é
composta dos seguintes filhos: José (Zezinho), Paulo, Roberto, Tereza, Elisete,
Vanda, Maria, Francisca e Zélia.
Excerto da obra "Retalhos de Vida" de Pedro Lins de Oliveira, pags. 109-114
CAPÍTULO - X
terça-feira, 27 de outubro de 2015
TROTES BRASILIANOS do livro “Além do Feijão com Arroz”
"Nem Pedro Pio nem Paulo Trajano me alertaram sobre os trotes nos novatos.
E são muitos. Logo na primeira hora do expediente, me disseram que teria que conferir as somas dos
balanços das fichas cadastrais. Havia uma diferença de alguns cruzeiros entre a
soma total e o balanceie do banco. Na época, não havia qualquer
mecanização. Todas as operações de crédito rural eram
registradas em fichas — mais de três mil delas.
Depois de revelar que era gozação, pediram que eu comprasse no comercio local uma “máquina de achar diferença” e, na única
livraria da cidade, pedira CIC, os livrões com
a Codificação das Instruções Circulares tio banco. O dono da livraria se
prestou a participar da brincadeira. “Hoje
estamos em falta, mas você encontra em Sousa”, uma cidade vizinha.
Outro trote era muito mais torturante. Já nas
primeiras horas, meus colegas disseram que, sendo o
novato, eu deveria pagar jacaré de coco para todos no
intervalo das 10 às
10,15. No semiárido tem jacaré?, estranhei. Mas era outra a questão que afligia:
eu não tinha dinheiro. Nem comigo e nem guardado. Como é que pagaria o tal jacaré para todos os mais de trinta funcionários? Cada vez que davam um tapinha em meu ombro e
avisavam, tentava sorrir. Não sabia o que fazer tinha vergonha de dizer que não poderia pagar.
Saía um meio sorriso, com cara de deus-me-acuda.
No intervalo, enquanto os funcionários tomavam café,
fumavam seus cigarros, puxavam papo,
eu só pensava no tenebroso jacaré. A iguaria do vendedor ambulante, pão doce em forma do bicho, coberto de
coco amarelo me apavorou. Ainda que confeitado, era um réptil de sangue-frio, quase sangue de barata. Meus colegas se
empanturravam, pediam permissão para repetir. “É...
claro...”. No final
das contas (e que contas!), cada um pagou o
seu. Não sem antes me torturarem até onde podiam".
Maílson da Nóbrega - “Além do Feijão com Arroz”
Pag. 80/81
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
domingo, 18 de outubro de 2015
Vou embora. Não posso aceitar isso, em nome da minha dignidade
Extraído do Livro ""Do golpe ao Planalto - uma vida de repórter".
Ricardo Kostcho
Pág. 225
O único problema mais que tivemos no relacionamento coma imprensa ao longo da campanha aconteceu por culpa minha. Lula já havia mantido encontros e participado de almoços com os dirigentes dos principais meios de comunicação, mas resistia a atender ao convite da Folha para o tradicional almoço com os diretores, editores e repórteres especiais. Quase toda semana, “seu” Frias o alguém a seu pedido repetia o convite, que eu voltava a levar a Lula. Este alegava que noutras ocasiões tinha ficado contrariado com a maneira pouco cortês como fora tratado no jornal. Tanto insisti, que ele acabou me autorizando a marcar o almoço. Impôs, no entanto, que o número de participantes fosse reduzido, para que pudesse conversar melhor com o “seu” Frias.
Em razão de algum mal-estar ocorrido em almoços anteriores., dos quais não participei, o clima já não pareceu muito amigável desde o momento em que “seu” Frias recebeu Lula e José Alencar. Otavio Frias Filho ficou calado, enquanto Lula não parava de falar de seus planos para o país e da importância de ter um vice como Alencar. Assim que os comensais sentaram à mesa, Frias Filho disparou a primeira pergunta: Se Lula se sentia em condições de governar o país, mesmo sem ter se preparado paara isso, não sabendo nem falar inglês. O candidato fez uma expressão de incredulidade, olhou para mim como quem diz: ‘E eu tinha que ouvir isso?’, engoliu em seco e deu uma resposta até tranqüila diante daquela situação constrangedora.
Como se tivesse sido ensaiadas as perguntas seguiram no mesmo tom hostil ao convidado até que, já quase na hora em que seria servida a sobremesa, alguém quis saber como ele se sentia ao aceitar uma aliança com Paulo Maluf. O argumento era que, se o PL apoiava Maluf na eleição pra governador de São Paulo, o candidato do PT a presidente também estaria se aliando ao político que mais combatera durante toda a história do partido. Não havia, porém, nenhuma aliança em São Paulo entre o PP e o PT, que disputava a mesma eleição tendo como candidato o deputado federal José Genoíno. Foi a gota d’água. Lula não respondeu; levantou-se, dirigiu-se a “seu” Frias e comunicou: ‘O senhor me desculpe, mas eu não posso mais ficar aqui. Vou embora. Não posso aceitar isso, em nome da minha dignidade’.
Ficou todo mundo paralisado. “seu” Frias levantou-se também. Antes de sair, Lula ainda disse a Otavinho, o único que permaneceu na sala: ‘Eu não tenho culpa se você está nervoso porque o teu candidato vai mal nas pesquisas’. Para ele a Folha estava apoiando José Serra. Pegando no braço do candidato, “seu” Frias o acompanhou até o elevador e depois até o carro, no estacionamento, com os outros todos caminhando atrás. ‘ Nunca tinha acontecido isso antes na nossa casa’, lamentou.
Dados Técnicos:
Do golpe ao Planalto - Ricardo Kotscho
Cia das Letras - 2006
368 Páginas
domingo, 6 de setembro de 2015
"Tirante um c..zinho bem lavado, é arroz com ovos!", ouviu Sátiro!
terça-feira, 26 de maio de 2015
quarta-feira, 22 de abril de 2015
Ditadura Spínola
Causa perdida, o Serviço foi achar em Portugal. Na noite de 17 de
junho de 1975 cinco senhores reuniram-se no Rio de Janeiro. Quatro
eram oficiais da Agência do SNI.36 O quinto era o general Antônio de
Spínola, o legendário líder da Revolução Portuguesa de abril de 1974.
Encantara o mundo ao precipitar a queda da ditadura salazarista com
um livro, capa e monóculo. Eleito presidente da República, vira-se
emparedado pela radicalização esquerdista do movimento que
simbolizara. Tivera as convicções neocolonialistas atropeladas pelo
desmoronamento do império d’além-mar. Por conservador, não
conseguia manobrar a desordem. Encurralado pelo poder paralegal do
Movimento das Forças Armadas, não conseguia manter a ordem. Como
seu monóculo, passara de romântico a anacrônico, e renunciara em
setembro, cinco meses depois de empossado.
Uma ironia da história portuguesa levara Spínola a se hospedar
num hotel de Copacabana pouco antes do primeiro aniversário do golpe
que trouxera para o Rio (e para Copacabana) o presidente Américo
Thomaz e o primeiro-ministro Marcello Caetano. Outra, da história do
regime brasileiro, o trouxera como asilado, precisamente numa época
em que Geisel reclamava da generosidade do governo de Lisboa para
com a diáspora nacional, que restabelecia em Portugal, em ponto
menor, a base perdida no Chile. Chegara a pensar em denunciar o
tratado que permitia o movimento dos cidadãos entre os dois países. Por maior que tenha sido o apoio dado pelos esquerdistas
portugueses aos exilados brasileiros, não se compara em audácia,
ilegalidade e subversão à conversa que Spínola teve com os cinco
interlocutores do SNI.
O general expôs seus temores: o Ocidente não evoluíra o bastante
para conter o Movimento Comunista Internacional, e era possível que os
Estados Unidos tivessem concebido uma estratégia em que seu país
seria sacrificado “para servir de vacina e anticorpos para o mundo
ocidental”. Dito isso, informava que pusera em andamento um plano de
invasão de Portugal. O ataque seria desfechado em até seis meses, a
partir da Espanha. Contava com uma tropa de 5 mil combatentes
recrutados na Rodésia, na África do Sul e no Zaire. Esperava receber
armamento americano e não precisava de dinheiro. Pedia ao SNI que lhe
conseguisse liberdade de movimento para viajar pelo mundo e uma
“área de treinamento” onde pudesse alojar Seiscentos homens, por três
meses. Seriam portugueses do Continente e de Angola, e outros já
exilados no Brasil.
Geisel leu um relatório da conversa e fulminou-a: “Não podemos e
nem devemos nos engajar!”.
Em tese, era o suficiente para que as conversas se encerrassem.
Decisão semelhante fora tomada pelo embaixador dos Estados Unidos
em Lisboa, Frank Carlucci. Ele não dava crédito a Spínola e chegara a
captar ecos de seus projetos. Solicitara a todos os setores da
administração americana, dos serviços comerciais às missões militares,
que evitassem qualquer contato com o general.41 A determinação de
Geisel foi contornada. Duas semanas depois do encontro do Rio,
Spínola esteve em Brasília e reuniu-se com o chefe da Agência Central
do Serviço.
Spínola e os coronéis do SNI comprometeram-se a manter suas
tratativas em segredo, mas, no dia 22 de julho, Helio Fernandes, na
Tribuna da Imprensa, informou que o general acabara de regressar de
um giro pela Europa. Viajara de óculos escuros, sem passar pelos
balcões das companhias aéreas. A Tribuna estava nas bancas quando
Spínola voltou ao SNI. Narrou o sucesso de sua viagem e mudou a lista
de pedidos. Já não queria um campo de treinamento, pois dizia tê-lo
conseguido no Paraguai. A tropa precisaria apenas de algum apoio
logístico, material de acampamento, comida e fardas. Se o governo
brasileiro quisesse, poderia lhe vender armas, devidamente
descaracterizadas. Pedia ainda uma base de transmissões clandestinas
e um passaporte falso.
Ao processar as informações desse segundo encontro, o general
Castro afastou-se da narrativa quase seca que a Agência do Rio
remetera a Brasília em junho. Não se tratava mais de um relatório. Era
uma Informação destinada a Figueiredo e intitulada Apoio ao General
Spínola para Reação em Portugal. Descrevia uma gestão. O SNI buscara
informações com seus contatos americanos, paraguaios e alemães.
Fontes do Departamento de Estado contaram que o general os
procurara. A CIA não disse uma palavra. Os paraguaios confirmaram a
possibilidade de ceder a área de treinamento, mas não estavam
convencidos de que Spínola tivesse cacife para tamanha iniciativa. Os
alemães mostraram-se interessados em alterar os rumos da crise
portuguesa, com a condição de que pudessem fazê-lo sem deixar as
impressões digitais. Também duvidavam da liderança do general.
Estavam dispostos a conversar, desde que “houvesse uma decisão por
parte do Brasil de apoiar veladamente a Spínola”. Se necessário,
mandariam um funcionário, com identidade falsa, para falar com o SNI.
Castro encorpou seu serviço relatando dois outros contatos. O
primeiro, com um coronel que se asilara junto com Spínola e acabara de
passar alguns dias, como clandestino, em Portugal. Ele contava que a
CIA aceitara fornecer granadas de mão, explosivos, espoletas e
detonadores aos expedicionários. O segundo contato, com um
português exilado no Brasil e um ex-hierarca da polícia secreta
salazarista decididos a entrar em Portugal com cinqüenta homens, para
“apoiar os grupos que têm reagido contra o atual Governo”. Precisavam
de armas leves.
O SNI conversava com duas organizações irmãs, porém diversas. Spínola e sua força expedicionária encarnavam o Movimento Democrático para a Libertação de Portugal. O ex-policial estava mais próximo do Exército de Libertação de Portugal, organização chefiada pelo ex-subchefe da PIDE. Entre maio e agosto a radicalização portuguesa foi exacerbada por um surto terrorista que produziu explosões e vinte incêndios. O ELP tinha bases nas colônias desalazaristas do Brasil, dos Estados Unidos, da Venezuela e da Espanha.
Jogo pesado, movido pela obstinação do general Castro. Ele levara dez dias refinando as informações que obtivera de Spínola. Quando as encaminhou a Figueiredo, seu chefe informou-o de que só Geisel poderia dizer o que fazer. O presidente registrou as instruções pessoais que deu ao chefe da Agência Central do SNI: “O Brasil não pode envolver-se”. Ainda assim, devia-se ouvir o enviado do serviço de inteligência alemão, que estava a caminho do Brasil para discutir a questão portuguesa. O agente chegou no dia 10 de agosto. Aceitava ajudar, mas não queria que seu país fosse envolvido na confusão. Basicamente, queria trocar figurinhas, pois duvidava que a oposição dispusesse de um líder. Informou que um dos oficiais de Spínola, instalado em Salamanca, na Espanha, tinha entre 1200 e 1500 homens. Julgava possível uma invasão maciça, a partir da Espanha, mas sabia que os conspiradores preferiam agir infiltrando pequenos grupos de vinte ou 25 pessoas em Portugal. Oferecia dinheiro, armas e contatos.
Numa nova construção, o SNI admitiu que a ajuda brasileira poderia limitar-se a um campo de treinamento, próximo aos aeroportos do Galeão ou de Viracopos, onde os combatentes passariam alguns dias, até embarcar em vôos de empresas que chegassem à Espanha sem escalas em Havana ou Lisboa. Castro sugeriu a Geisel que o Itamaraty desse aos portugueses um pouco de dinheiro (de 10 mil a 15 mil dólares) e de armamento. Seriam 34 submetralhadoras calibre 45, dezesseis pistolas e dois fuzis automáticos com bocais lançadores de granadas. Esclarecia que era equipamento velho, descaracterizado, apreendido antes de 1973. (O arsenal de todas as organizações terroristas de esquerda nunca teve 34 metralhadoras, muito menos fuzis equipados para lançar granadas. É possível que essas armas tenham vindo do braço terrorista do CIE.)49 Sugeriu também que se usasse a rádio Jornal do Commercio, do Recife, para algumas transmissões clandestinas.
A documentação do episódio morreu aí. Os sonhos de Spínola e sua conexão com o radicalismo da colônia portuguesa no Brasil prosseguiram. O general deu uma entrevista a Carlos Lacerda, que vivia uma fase de assombro diante da esquerdização de Portugal, e nela produziu-se o seguinte trecho:
— Quando será o desembarque, meu general?
No seu rosto habitualmente triste, um sorriso se abre. É um segredo ou ainda não foi fixada uma data. Mas diz-me algo que me tranquiliza e que um dia toda a gente saberá.
O desembarque de Spínola tornara-se tão público quanto inútil. Quando a entrevista foi publicada no Brasil, a Revolução Portuguesa finara-se. A maioria profissional e moderada das forças armadas, disposta a conter a anarquia nos quartéis e o radicalismo esquerdista nas ruas, derrubara o governo do primeiro-ministro Vasco Gonçalves.
No início de 1976 Spínola fechou sua casa no Rio e foi para a França. Tentou entrar na Espanha, onde supunha ter uma base de operações. Foi expulso, devolvido à França e logo enxotado para Genebra. Em abril os suíços mandaram-no embora. Retornou ao Brasil sob o compromisso de aquietar-se. Era carta fora do baralho.
Em suas memórias, Geisel classificou a proposta de invasão de Portugal como “loucura” e “fantasia”, informando que os militares portugueses “foram francamente dissuadidos de qualquer ação dessa natureza”. É certo que o presidente não estimulou o SNI. É provável que tenha considerado fantasiosa a iniciativa, mas não há registro de ação dissuasória do governo brasileiro sobre os subversivos portugueses.
Spínola continuou circulando com os papéis falsos que pedira ao SNI. Em dezembro de 1976 um funcionário da embaixada da Suíça em Brasília deixou sobre a mesa do encarregado da Divisão da Europa do Ministério das Relações Exteriores um documento sem timbre nem assinatura. Era um sussurro documentado. Informava que o general estava em seu país, com dois passaportes. Num, era o cidadão brasileiro Antonio Ribeiro. No outro, era português, e registrava-se sua identidade completa: Antônio Sebastião Ribeiro de Spínola. Com educação e ironia, o governo suíço perguntava ao Itamaraty se a supressão do sobrenome paterno (Spínola) para a construção da identidade de Antonio Ribeiro estava de acordo com as leis do país. Lembravam que havia uma denúncia de que o general usava um passaporte com identidade falsa. Finalmente, indagavam por que o governo entregara ao general dois documentos, um de estrangeiro e outro de brasileiro, com informações insuficientes.
Como e por que o general embaralhou os documentos e as identidades, não se sabe. Também é difícil entender por que Spínola se fazia passar por Ribeiro, pois em agosto de 1976 estivera ostensivamente em Lisboa, sem ser molestado. A anarquia militar portuguesa, iniciada em 1974, fora substituída por um governo constitucional, com assento no Conselho da Europa.
O chanceler Azeredo da Silveira informou a Geisel que haveria de providenciar a discreta apreensão do passaporte turbinado.
O SNI, que dera a Spínola dois passaportes (um deles fraudulento), centralizava o confisco desse mesmo documento aos cidadãos brasileiros que desejava punir. As embaixadas e os consulados tinham um Fichário de Pessoas com Registro de Atividades Nocivas à Segurança Nacional. Quaisquer solicitações feitas por esses cidadãos deveriam ser comunicadas a Brasília.
O ex-presidente português tinha passaportes de sobra, enquanto a ditadura passara doze anos negando-o ao ex-presidente brasileiro João Goulart. Ele viajava com um passaporte de favor, dado pelo ditador paraguaio Alfredo Stroessner. Quando dois ex-parlamentares uruguaios que viviam exilados na Argentina foram sequestrados e mortos, Jango avisou ao governo brasileiro que temia por sua vida.
Enquanto a gestão tramitava em Brasília, apareceu outro cadáver em Buenos Aires. O ex-presidente boliviano general Juan José Torres foi achado embaixo de uma ponte, com os olhos vendados, um tiro na cabeça e dois no pescoço. Goulart recebeu o passaporte no dia 8 de junho, quatro dias depois da execução de Torres. Como ele fizera saberque pretendia visitar seu cardiologista, em Lyon, deram-lhe umacaderneta válida só para a França.
Ao mesmo tempo que o Serviço se metia em operações clandestinas com o general Spínola, o braço dissidente da Comunidade que operava debaixo de seu nariz procurava desmantelar iniciativas de Geisel com as quais não concordara. Fazia isso valendo-se dos métodos que o regime se habituara a utilizar. Na segunda semana de agosto de 1974 um coronel do SNI chegou ao Itamaraty para uma reunião. Seu propósito era colher uma prova de que o governo brasileiro oferecia concessões indevidas à delegação chinesa que negociava o reatamento de relações entre os dois países. Falhou.
quarta-feira, 1 de abril de 2015
domingo, 25 de janeiro de 2015
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